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EM CARTA A HADDAD, GALÍPOLO CITA DÓLAR, ALIMENTOS E QUADRO FISCAL AO EXPLICAR INFLAÇÃO FORA DA META

João Paulo - 11/01/2025 07:54

Em carta endereçada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou que o principal motivo para o desvio da inflação em relação à meta de 3,0% em 2024 foi a depreciação cambial, essa causada principalmente por fatores domésticos, principalmente a frustração com o cenário fiscal.

O documento foi divulgado nesta sexta-feira. O ritmo forte de crescimento da atividade econômica brasileira e os eventos climáticos também foram citados pelo chefe da autarquia como razões que explicam o descumprimento da meta, assim como o aumento das expectativas de inflação.

O índice oficial de inflação do Brasil, o IPCA, fechou o ano passado em 4,83% e ficou fora da meta. O alvo é de 3,0%, com intervalo de tolerância de 1,5% a 4,5%. Essa é a oitava vez que a meta é descumprida desde 1999. Nos últimos quatro anos, foram três estouros. Sempre que a meta é descumprida, o presidente do BC tem de prestar esclarecimentos ao ministro da Fazenda e citar os motivos pelos quais não teve êxito em sua principal missão institucional.

As causas, segundo o BC

Ante o nível de 3,0%, Galípolo disse que os principais fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 p.p. da inflação em relação à meta foram a chamada inflação importada (contribuição de 0,72 p.p.), a inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas de inflação (0,30 p.p.).

A inflação importada é o dólar e commodities como alimentos e petróleo. O hiato do produto significa que a economia está aquecida. E a expectativa gera inflação na medida em que os preços são ajustados considerando esse fator.

Dentro da inflação importada, o aumento do dólar ante a moeda brasileira foi mais significativo, com um impacto de alta na inflação de 1,21 p.p. Parte desse efeito foi contrabalançado, porém, pela queda do preço internacional do petróleo (- 0,59 p.p.).

A carta destaca que a taxa de câmbio subiu de R$ 4,95 na média do último trimestre de 2023 para R$ 5,84 na média do mesmo período em 2024, uma variação de 18,0%. Considerando a média em dezembro de 2023 e de 2024, a taxa de câmbio aumentou de R$ 4,90 para R$ 6,10, uma variação de 24,5%, que corresponde a uma queda do real de 19,7%.

No documento, o presidente do BC cita que a depreciação cambial começou em abril e se intensificou ao longo do ano, principalmente por fatores domésticos, embora a valorização do dólar globalmente devido à perspectiva de um corte de juros mais lento nos Estados Unidos e à expectativa de mudança na economia com a eleição de Donald Trump também tenha influenciado.

Como vetor doméstico da alta do dólar, Galípolo citou especificamente a frustração de agentes econômicos com o cenário fiscal, algo já apontado nas comunicações do Comitê de Política Monetária (Copom).

“O fato de o real ter sido a moeda de maior depreciação em 2024, considerando seus pares ao nível internacional e os países avançados, sugere que fatores domésticos e específicos do Brasil tiveram papel expressivo nesse movimento cambial. No âmbito doméstico, a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”, diz a carta.

O efeito da frustração com a gestão das contas públicas sobre a alta do dólar ficou claro no fim do ano passado. Logo após o governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciar um pacote de contenção de gastos, considerado tímido pelo mercado financeiro, a moeda americana superou a marca histórica de R$ 6 e não cedeu mais, mesmo com a aprovação das medidas.

Economia sobreaquecida

No documento, Galípolo ainda destaca que o crescimento da atividade econômica, que surpreendeu para cima ao longo do ano passado, foi forte e também contribuiu para a inflação acima do intervalo de tolerância. O BC estima expansão de 3,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024.

“O grau de utilização dos fatores de produção foi crescente, com destaque para a mínima histórica alcançada pela taxa de desemprego. O mercado de trabalho apresentou resultados robustos em 2024. A taxa de desocupação continuou trajetória de rápido declínio, atingindo 6,5% em novembro (dados ajustados sazonalmente), menor valor da série histórica”,. disse, sobre a pressão decorrente do aquecimento do mercado de trabalho.

Em relação aos desastres climáticos, o BC destacou que a seca que atingiu parte do país pressionou os preços de alimentação, em especial, de carnes e leite, em função da deterioração de pastagens, e de produtos como café e laranja. Já as enchentes no Rio Grande do Sul impactaram alguns preços de alimentos no segundo trimestre, especialmente no próprio estado, segundo o BC, mas em grande parte revertidos nos meses seguintes. O BC estima que as anomalias climáticas tiveram impacto direto de 0,38 p.p. na variação do IPCA em 2024.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o principal vetor para o aumento do IPCA de 2024 foi o encarecimento dos preços de alimentos, especialmente de carnes, seguido dos custos com Saúde e Cuidados pessoais e dos gastos com Transportes. Os três grupos do IPCA responderam por cerca de 65% do resultado do ano passado.

Providências

Na carta, além de explicar as razões para o descumprimento da meta de inflação de 2024, o presidente do BC apontou as estratégias da autoridade monetária para alcançar a convergência inflacionária.

Nesse quesito, Galípolo lembra que o BC já vem aumentando a taxa básica de juros, a Selic, principal instrumento para conter a inflação. “Portanto, o BC tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a meta para a inflação”, disse.

Atualmente, a Selic (taxa básica de juros) está em 12,25% ao ano, e o BC já indicou duas novas altas de 1 ponto percentual para janeiro e março, levando a taxa para 14,25%, o mesmo patamar do pico da crise do governo Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016.

“O Copom ressaltou também que, diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”, reforçou na carta.

De acordo com os cálculos do BC, a taxa de juros real (descontada as expectativas de inflação) deve subir de 7,9% no último trimestre de 2024 para 9,8% no terceiro trimestre de 2025, considerando as medianas da pesquisa Focus. Seria a taxa mais restritiva desde 2005 (12,3%). Depois, entra em trajetória de queda, alcançando 6,4% no segundo trimestre de 2027, ainda acima da taxa neutra (que não diminui nem aumenta a inflação), de 5%.

Novo estouro

Galípolo não foi presidente do BC ao longo de 2024, mas era o diretor de Política Monetária, a principal pasta do órgão, antes de substituir Roberto Campos Neto.

O indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ainda escrever uma segunda carta neste ano. Essa avaliação é baseada nas projeções oficiais no cenário de referência do BC para a inflação, divulgadas no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) do BC.

A partir deste ano o sistema de verificação das metas passa a ser contínuo, em vez de no fechamento de cada ano calendário. Será considerada que a meta foi descumprida quando o IPCA acumulado em 12 meses desviar-se por seis meses consecutivos do intervalo de tolerância. A meta atualmente é de 3,0%, com intervalo de tolerância de 1,5% a 4,5%.

Segundo as projeções do BC, o IPCA deve romper o limite superior pelo menos até o fim do terceiro trimestre de 2025, quando a estimativa é de 5,1%. Ou seja, a partir do início do novo sistema, a inflação vai ficar ao menos nove meses fora do alvo a ser perseguido.

Nesse caso, Galípolo, como chefe da autoridade monetária, terá de se dirigir ao ministro da Fazenda em carta aberta após o IPCA de junho para explicar as causas do descumprimento, apontar as medidas necessárias para a convergência inflacionária e o prazo esperado para que as medidas produzam efeito. O novo sistema ainda prevê que será necessária nova carta se a inflação não voltar à meta no prazo estabelecido.

Ainda que o BC volte a cumprir a meta no fim do ano, contudo, ainda não há visibilidade sobre quando a inflação voltaria à meta de 3,0% nas projeções oficiais. No RTI, a última estimativa é para o segundo trimestre de 2027, em que o cenário de referência aponta para um IPCA de 3,2%.

Foto: Raphael Ribeiro/BCB

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