A semana começou em polvorosa, com as bolsas caindo ao redor mundo e a cotação do dólar disparando. A justificativa foi que os Estados Unidos iriam entrar em recessão. Foi um caso típico de narrativa criada pelos agentes financeiros para mudar suas posições no mercado, frente à já anunciada queda dos juros americanos.
Não havia e ainda não há como afirmar que os Estados Unidos vão entrar em recessão. Os números do mercado de trabalho não caíram, apenas cresceram menos e, no mesmo dia, a atividade do setor de serviços mostrou sinais de crescimento. Ao que parece haverá um pouso suave da economia americana, uma redução do crescimento monitorada pelo Banco Central, o que já era esperado.
O próprio mercado, que registrava quedas anteriormente porque a alta dos juros não estava conseguindo fazer a economia americana desacelerar para conter a inflação, agora caí porque teme uma recessão? Qual a explicação? É simples: o mercado sempre busca maximizar seus lucros, age de acordo com a oferta e procura e com os movimentos de “comprados” e “vendidos” de olho nas posições do mercado futuro. E erra muito, precificando o que nem sempre acontece.
Só no Brasil, as pessoas acreditam que o mercado é Deus, que suas previsões são infalíveis e que seus movimentos refletem fielmente o que se passa na economia. Na verdade, esses movimentos refletem o interesse econômico dos agentes financeiros.
O que aconteceu na última segunda-feira foi uma renegociação de posições. Esse movimento foi fortemente influenciado pelos investidores que precisavam desmontar o chamado carry trade, quando o investidor pega dinheiro emprestado em países onde a taxa de juros é baixa e aplica em mercados onde ela é mais alta para ganhar a diferença.
Os investidores que se aproveitavam dos juros baixos japoneses para pegar empréstimos e aplicar em países onde os juros estavam mais elevados, tiveram de vender ações para cobrir as perdas com o custo mais elevado das operações no Japão, pois o Banco Central de lá aumentou suas taxas de juros e, diferente do Banco Central daqui, interveio no câmbio para valorizar o iene. Este foi o fator detonador do processo que depois seguiu em efeito manada. Ajudou também o aumento do Índice VIX (Volatility Index) conhecido como “índice do medo” que mede a volatilidade das ações dos EUA, que reflete a oscilação das ações das empresas de alta tecnologia. Ora, esse movimento específico estava descolado dos fundamentos da economia, foi apenas mais uma narrativa do mercado financeiro em prol dos seus interesses.
No Brasil, onde se sacrificam carneiros para acalmar o Mercado, essas narrativas são comuns. Aqui disseminou-se uma narrativa de iminente crise fiscal que está completamente descolada dos fundamentos da economia e é surpreendente ver economistas de peso endossando essa ideia.
É verdade que há problemas fiscais, é certo que não há mais espaço para aumentar impostos e que não vai ser possível atingir a meta de déficit zero, mas apostar em uma crise fiscal no curto prazo é acreditar em milagres. Até porque o provável déficit de 0,25% do PIB ou até 0,70% é normal em países como o Brasil e menor do que o de muitos países ricos e emergentes. Além de ser um déficit perfeitamente administrável, está em curso um movimento, embora pequeno, de corte de gastos. Ora, nesse cenário, disseminar uma narrativa de “crise fiscal” é estimular a incerteza e a alta do dólar. Como, diferente de outros países, o Banco Central brasileiro abdicou sem explicações de fazer intervenções pontuais no mercado de câmbio, como sempre fez, a desvalorização do real se potencializa, mas está descolada dos fundamentos da economia.
Felizmente, como o mercado não é Deus, a alta dos juros americanos vai trazer mais cedo ou mais tarde, inclusive via carry trade, dólares para o Brasil, especialmente se o Banco Central retomar o ciclo de alta dos juros. Com isso a cotação do dólar vai voltar aos parâmetros normais, pouco ligando para as narrativas do mercado.
DÉFICIT PÚBLICO E DÍVIDA PÚBLICA
Governos tem obrigatoriamente de agir sob o manto da austeridade fiscal e o governo brasileiro atual pode fazer mais nessa área. Mas os economistas brasileiros parecem mais realistas que o rei e querem que o Brasil seja medalha de ouro nessa olimpíada. O déficit público brasileiro, por exemplo, estimado pelo governo em 0,25% do PIB em 2024, mas cuja previsão do mercado é que se situe em 0,70% do PIB, vai ser menor do que o de vários países emergentes e do que muitos na União Europeia. É perfeitamente administrável. E a dívida pública brasileira em relação ao PIB, que é da ordem de 90% é menor que a de economias semelhantes como a Itália, da ordem 150% e Espanha em torno de 100%, também.
Publicado no Jornal A Tarde em 08/08/2024