“Clara ama a véspera do desfile quando o cortejo do Caboclo saí do bairro do Caquende para, acompanhado das filarmônicas e do povo da cidade, encontrar-se com a Cabocla que vem do outro lado da ponte. Clara gosta da queima de fogos, das ruas iluminadas e das crianças que carregam bandeirolas verdes e amarelas. A ela pouco importa que a festa represente a independência de Cachoeira do jugo português e que num longínquo 25 de junho a Câmara de Vereadores da cidade tenha proclamado D. Pedro regente do Brasil. Tampouco se lhe dá que o Caboclo simbolize o heroísmo do brasileiro nativo, o que lhe interessa é o encontro dos amantes e a noite de amor que passarão juntos na Ponta da Calçada.
Ela dá-me a mão e chegamos a Praça Manoel Vitorino, a tempo de ouvir os metais da Lira Ceciliana, sob a regência do maestro Piston de Veludo, entoar os primeiros acordes do Hino de Cachoeira. Do outro lado da rua, a Minerva Cachoeirana espera em posição de sentido a sua vez e assim por toda a noite as filarmônicas alternarão os hinos em homenagem aos heróis do Recôncavo.”
“Clara, não é só a festa, é a História. Foi aqui, muito antes do 7 de Setembro, que se deu início a Independência. E depois, enquanto no Rio eles discutiam termos e tratados, na Bahia havia luta de morte entre brasileiros e portugueses e foi no Recôncavo, quase um ano depois do Grito do Ipiranga, que o Brasil se tornou verdadeiramente independente.”
“Ele amava a história de Cachoeira e contrito assiste o Te-déum na Igreja Matriz e reza pelos seus antepassados que enfrentaram os mata-marotos e abordaram a canhoneira. Está em frente a Casa de Câmara e Cadeia compondo o batalhão patriótico que junto ao povo aclama com uma salva de tiros a regência recém proclamada de D.Pedro. Assusta-se com os disparos de artilharia vindos da escuna lusa ancorada no Paraguaçu e se vê correndo em direção ao cais a gritar impropérios contra o general Madeira de Melo e a incitar os companheiros a matar maroto. As balas de canhão atingem os sobrados da Rua da Matriz e do cais dos Arcos e o comandante do navio ameaça destruir Cachoeira, caso não cessem as escaramuças. Então toma lugar nas canoas dos cachoeiranos que se dirigem ao barco invasor e quase sem armas aprisionam o comandante e seus marujos.
Deus, como ele gostaria de ter vivido um século atrás para, muito antes da encenação de liberdade que fizeram a beira de um riacho qualquer, gritar: Independência ou morte. Ele não teve a glória de estar em combate, mas será, como em todos os anos, o primeiro a postar-se em frente a Casa de Câmara e Cadeia para acompanhar orgulhoso o desfile cívico que saí da Praça da Aclamação em direção a Ponta da Calçada para incorporar os carros dos caboclos.”
E assim, com trechos do meu romance Recôncavo, rendo homenagem a Cachoeira, símbolo da independência do Brasil.
Publicado no jornal A Tarde em 28/06/2024
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