JOSÉ MACIEL DOS SANTOS FILHO (1)
No dia 18 de dezembro último, o jornalista William Waak promoveu um debate na CNN com o título acima, abordando o difícil relacionamento entre o presidente Lula e segmentos representativos do agronegócio brasileiro. Lula acredita que tal dificuldade decorre de sua posição acerca do combate ao desmatamento , mas, em nossa avaliação, outros fatores contribuem para esse clima pouco amistoso. Destacaríamos a ligação histórica entre Lula e o PT com o MST, movimento, que promoveu muitas invasões de terras no país, inclusive em terras produtivas , segundo alguns autores, e, mais recentemente , na campanha eleitoral, o então candidato petista teria chamado parte do setor de “fascista e direitista”. Participaram do debate três grandes especialistas e analistas do setor do agronegócio: os professores José Roberto Mendonça de Barros (MB ASSOCIADOS), Marcos Jank (INSPER) e Xico Graziano (FGV-SP).
Como primeira indagação, Waak perguntou aos três entrevistados se essa desconfiança pode ser vencida no curso do atual governo.
O professor Mendonça de Barros disse que parte dos representantes do setor, mais ligados ao mercado internacional, é mais pragmático e deve procurar o diálogo com o atual governo em busca de influência na formulação e execução das políticas públicas setoriais , objetivando o atendimento de suas demandas. Ele sustenta que o dinamismo do setor deve continuar, embora com menos brilho em relação ao passado recente, em face das dificuldades do contexto internacional e das pressões ambientais, sobretudo por parte da União Europeia. Ele destacou ainda que o Brasil terá enorme protagonismo em suprir o acréscimo de demanda de produtos agrícolas nos próximos anos, citando um estudo do Departamento de Agricultura americano, O USDA, segundo o qual nosso país deve abastecer pelo menos 40 % destes acréscimos de demanda, razão pela qual o dinamismo e vitalidade do setor devem permanecer, independente do governo.
O professor Jank vai numa linha semelhante, argumentando que o agro é um setor muito relevante da economia nacional, com 27% do PIB, metade das exportações brasileiras e 20% de nossa força de trabalho. Ele lembra que o setor teve boa interlocução com os governos de FHC e petistas do passado, sobretudo com ministros muito bem avaliados na época, a exemplo de Roberto Rodrigues e Reinold Stephanes. Ademais, o setor tem forte bancada no Congresso Nacional, com a chamada Frente Parlamentar da Agropecuária, o que pode contribuir para destravar esse clima de desconfiança entre Lula e parte do setor.
O professor Xico Graziano vê um cenário de mais dificuldades nesse relacionamento, por conta de segmentos que não assimilam a eleição do Lula e também em razão da oposição de parte da chamada bancada ruralista . Nesse último caso, ele admite que isso não é ruim, pois a dita bancada é uma espécie de contraponto ao MST , que ,como se disse anteriormente, tem um histórico de invasões de terras, segundo fatos documentados no noticiário de imprensa, mas , ressalte-se, seus movimentos diminuíram consideravelmente no passado recente. Ele admite que se o MST voltar com as invasões , isso “pode dar confusão” e atrapalhar o diálogo pretendido. Xico também admite que o agronegócio não depende tanto do governo e, se este ajudar na conquista e manutenção de mercados e no combate ao desmatamento ilegal, já será uma boa contribuição para o setor e para a sua relação com as autoridades federais.
Marcos Jank concorda com Xico nesse último ponto e pondera que o combate deve se restringir ao desmatamento ilegal e não contemplar exigências da União Europeia , que fala também em combate ao desmate legal. Nesse ponto, o nosso Código Florestal é soberano e não devemos ir além dele. Esse Código é uma lei moderna e rigorosa, estabelecendo, por exemplo, pesados coeficientes de Reserva Legal (RL), a exemplo dos 80% das propriedades rurais como Reserva Legal no bioma Amazônia, ou seja, 80 % desses estabelecimentos são intocáveis para fins de cultivo agrícola. Quantos países adotam coeficientes restritivos de uso agrícola nesse patamar? De mais a mais , países mais críticos ao Brasil na questão ambiental, como a França, não têm os elevados coeficientes de matas nativas que o Brasil apresenta, como proporção do território total. Portanto, em nossa visão, podem criticar, mas olhem também o seu “umbigo”.
Finalizando, o debate de alto nível com os três analistas de grande calibre intelectual mostrou que o nosso país está diante de grandes oportunidades de comércio e crescimento nos próximos anos. Com apoio do governo, com um discurso e prática ambiental mais adequados, e com a negociação e conclusão de acordos comerciais, como o com a União Europeia, o agronegócio brasileiro pode experimentar um baita avanço, consolidando sua posição de potência agrícola global. Para isso, é imprescindível também não atrapalhar, taxando, por exemplo, as exportações setoriais, como faz a Argentina. Iniciativas também de contemplar o alto valor gerado nos chamados “pequenos produtos” em várias regiões, conforme sugestão de Mendonça de Barros, devem ser valorizadas , a exemplo de produção de vinhos, peixes, queijos, azeite, etc. A Chapada Diamantina é palco parcial desses movimentos, por exemplo.
(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail: [email protected]