No momento em que a nova proposta de reforma trabalhista do governo federal quer proibir as regras da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – para os motoristas e entregadores por aplicativos, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), em Salvador, registrou um crescimento de 191% no número de processos contra empresas como Uber, Rappi, Ifood e 99, entre 2020 e novembro deste ano. A Uber é a campeã, com 24 processos. Nos últimos cinco anos, ainda de acordo com o TRT5, as ações trabalhistas tiveram alta de 1.180%. Entre os questionamentos dos profissionais estão o bloqueio dos perfis nas plataformas sem uma explicação, falta de apoio das empresas e a ausência de direitos trabalhistas.
Um estudo foi encomendado pelo governo federal e executado por um grupo instituído pelo Ministério do Trabalho e Previdência. O texto, que já foi concluído e passa por avaliação, embora ainda sem prazo para a conclusão dessa fase de análises, faz uma série de propostas que modificam a CLT e a Constituição. No caso dos motoristas e entregadores que trabalham por aplicativos, a proposta prevê que esses profissionais não poderiam ser considerados empregados das plataformas e não teriam os direitos previstos na CLT. Uma das sugestões do grupo que elaborou a proposta é que esses trabalhadores sem enquadrados como MEIs (Microempreendedores Individuais) para assim garantirem a contribuição à Previdência Social.
A Justiça do Trabalho baiana, no entanto, já teve decisões favoráveis a trabalhadores que exigiram o reconhecimento de vínculos empregatícios com aplicativos. Em novembro deste ano, uma sentença reconheceu o vínculo de trabalho entre a Uber Eats e o entregador Genilson Machado. A decisão, da 11ª Vara da Justiça do Trabalho de Salvador, determinou que a Uber Eats assinasse a carteira de trabalho de Genilson Machado, com data de admissão e de demissão. A empresa também foi sentenciada a pagar R$ 10 mil de multa, além de R$ 495,85 a título de honorários e R$ 265,62 de custas sobre o valor da condenação. Machado tinha sido bloqueado sem aviso pela plataforma e ficou impedido de trabalhar. Ainda cabe recurso.
De acordo com o advogado trabalhista Pedro Zattar, especializado na defesa e reconhecimento de direitos sociais frente às inovações tecnológicas, as ações envolvendo trabalhadores por aplicativo têm crescido ano a ano no seu escritório. Ele atua em Minas Gerais, onde representa mais de 2 mil clientes contra empresas de app, e também na Bahia, onde acumula mais de 100 processos. As reivindicações vão desde a assinatura da carteira de trabalho até recebimento do 13º salário, passando por recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e pagamento ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de indenizações por bloqueios repentinos.
“Muitas vezes, os motoristas são bloqueados imotivadamente, do dia para a noite. Ele compra ou aluga um carro e a plataforma simplesmente tira o ganha pão dele”, explica Zattar. “Na pandemia, você tem poucas oportunidades de trabalho, então os aplicativos são importantes, garantem renda, mas têm critérios obscuros. A pessoa só recebe uma mensagem dizendo que foi bloqueado e não consegue mais acessar o aplicativo, fica com dívida do carro e sem o salário do mês”.
O advogado ainda questiona o fato das empesas alegarem que não há vínculo empregatício com os trabalhadores. “A empresa sempre vai com o discurso que ele [o trabalhador é autônomo, que pode fazer a viagem que quiser, mas, quando é bloqueado, a gente percebe que não é bem assim. Se ele não seguir as regras, aceitar o preço ou cancelar as corridas, é bloqueado e recebe outras punições. Aí que está a controvérsia. Se fosse autônomo, poderia escolher qualquer viagem”.
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