Metade do orçamento secreto de R$ 3 bilhões criado pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso foi direcionada para pavimentação asfáltica. Além das compras de tratores acima da tabela de referência, como revelou o Estadão, o grupo político beneficiado pelo esquema reservou R$ 1,6 bilhão para asfaltar ruas e estradas nos seus redutos eleitorais.
Documentos a que o Estadão teve acesso indicam que parte do orçamento secreto deve bancar contratos de asfaltamento cujas licitações foram consideradas irregulares pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Os indícios foram identificados durante pente-fino da Corte em pregões da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) entre novembro e dezembro de 2020.
Criada para desenvolver as margens do Velho Chico, a estatal teve sua finalidade desvirtuada no governo Bolsonaro quando passou a atender municípios localizados a mais de 1,5 mil quilômetros das águas do São Francisco e acomodar ainda mais políticos do Centrão. Na prática, a empresa virou um duto para saída dos recursos do “tratoraço”, como o esquema de toma lá, dá cá está sendo chamado.
O trabalho dos auditores do TCU não levou em conta a origem dos recursos. Focou apenas na aplicação, independentemente da fonte das verbas. Os valores globais desses pregões questionados são de R$ 533 milhões. Com base em documentos aos quais o Estadão teve acesso, a reportagem identificou que parte é originária do orçamento secreto, criado a partir de uma nova modalidade de emenda (RP-9).
Os pregões foram feitos pela Codevasf antes mesmo de os recursos serem reservados ao órgão, o que por si só já descumpre a lei, e sem especificar locais de serviços. O tipo de licitação – por ata de registro de preços – também seria inadequado de acordo com os auditores. A área técnica do tribunal apontou ao menos quatro problemas e definiu como “indício de irregularidade grave o fato de que as licitações possuíam objetos indefinidos e locais de execução indeterminados, inexistindo projetos básico e executivo das intervenções a serem realizadas”.
Além disso, os auditores apontaram uma possível limitação na concorrência, pois a previsão de contratos com valores elevados diminui a possibilidade de mais empresas participarem dos pregões – o parcelamento dos objetos de contratos seria o mais adequado, pois permitiria mais concorrência, na visão dos auditores. “(Houve) utilização indevida do sistema de registro de preços para a contratação de obras, com o emprego da ata de registro de preços como contrato do tipo ‘guarda-chuva’, com objeto incerto e indefinido, sem a prévia realização dos projetos básico e executivo das intervenções a serem realizadas”, diz o relatório.
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