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ADARY OLIVEIRA – VACINAS E PATENTES

Redação - 10/05/2021 09:22 - Atualizado 10/05/2021

A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96)versa, entre outras coisas, do registro das marcas e patentes. Tal assento é feito junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) órgão do governo federal. Essa Lei,para ser aprovada, foi apreciada durante cinco longos anos pela Câmara dos Deputados. No início dos anos 90, quando eu estavacredenciado pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) para representá-la no Congresso Nacional, fazendo acompanhamento da tramitação dos projetos de lei de importânciapara indústria química, assisti a reuniões da comissão temática que tratava do assunto e pude testemunhar a presença de representantes das multinacionais do setor farmacêutico e as dificuldades para se encontrar solução para os conflitos de interesses próprios do tema.

Um simples registro de marca pode resultar em transtornos enormes para as companhias e vale a regra de que é dono quem chega primeiro. Uma empresa daqui da Bahia, por exemplo, o Banco da Bahia Investimentos, perdeu a marca BBI para o Banco Brasileiro Iraquiano porque demorou de fazer o lançamento e quando tentou fazê-lo, se deparou com a marca anotada há apenas uma semana. A Esso continua a se chamar Esso no Brasil porque alguém registrou a marca Exxon, adotada pela petroleira em muitos países, antes de pretender alterar o registro daqui. Muitas vezes as marcas não são aceitas para proteção de outras similares, como daquele sorvete que pretendia usar o nome kiótimo. Ele foi impedido por interferência da kibon e passou a se chamar “sorvete sem nome”.

Na indústria da química fina, que engloba a síntese de substâncias usadas na fabricação de defensivos agrícolas, pigmentos para tintas efármacos, o destaque é para esta última. O seu uso na formulação de medicamentos gera um dos mais lucrativos negócios, com margem de contribuição superior a 50%. A principal barreira na entrada para esse mercado é o alto custo e as incertezas que envolvem as pesquisas de processo. De 1979 a 1984, período em que eu trabalhava no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), liderava uma equipe que negociava tecnologia para vários projetos da química fina. Um delesera o projeto Alfar. Tratava-se da instalação, em Alagoas,da fabricação de ácido ascórbico (vitamina C). Fomos até a Suíça negociar com a Roche, e à Romênia com o governo, a cessão da tecnologia. O processo alemão era melhor, por apresentar rendimento de 90% na reação de síntese, enquanto o do romeno 57%. A capacidade da planta era de apenas 10 tonelada por ano (t/a) e para a Roche era mais lucrativo importar o fármaco de sua fábrica europeia com capacidade para 100 t/a. O preço do frete aéreo era diminuto diante do valor de cada grama do produto.

Na Bahia, por iniciativa da Norquisa, a Nitroclor construiu uma fábrica que seria uma espécie de central de matérias-primas para a indústria de química fina. Problemas técnicos não solucionados, mesmo com ajuda da empresa italiana cedente da tecnologia, terminou por inviabilizar o intento conforme concebido. O fato é que até hoje, as multinacionais que controlam mundialmente o setor farmacêutico preferem importar o princípio ativo sintetizado em plantas estrategicamente localizadas ao redor do planeta,a fabricarem os medicamentos junto ao mercado consumidor. Quando nos deparamos com uma pandemia, como a que agora tem perturbado as nossas vidas e dificultado avanços no sentido de buscar o desenvolvimento, temos que importar vacinas ou os insumos básicos usados na sua manufatura.

O governo brasileiro, acertadamente, tem monopolizado as importações, preocupado em trazer para aqui vacinas de qualquer parte do mundo. O importante agora é salvar vidas, custe o que custar. É nesse particular que os laboratórios atuam para manter-se donos de um dos negócios mais lucrativos que existe, fazer remédios. E assim continuamos sem domínio da situação, pagando qualquer preço para sobrevivermos, submetidos a uma lei que garante a propriedade exclusiva ao inventor. É por isso que, diante de tão grave situação, se apregoe a quebra da patente. Merece aplausos a defesa da indústria nacional que tem sido feita pela Associação Nacional da Indústria de Química Fina (Abifina), instalada no Rio de Janeiro, incansável na defesa do que é genuinamente brasileiro.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

 

 

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