A mudança de rumo da Selic, a taxa básica de juros, dos menores níveis da história para uma trajetória de alta, está mudando também a composição recomendada para a porção dos investimentos destinada à renda fixa. Os títulos prefixados, que têm os juros fixos e sofrem especialmente mais com as oscilações ainda fortes de indicadores financeiros como os juros futuros, perdem espaço. Por outro lado os pós-fixados, que são diretamente atrelados à Selic e sobem e descem junto com ela, devem voltar a ficar atrativos, depois de anos em que foram deixados de lado conforme os juros caíam.
A taxa Selic é definida pelo Banco Central em reuniões realizadas a cada 45 dias e serve de piso para todos os juros do país, incluindo os das remunerações da poupança e das aplicações de renda fixa, como Tesouro Direto, CDBs, LCAs, LCIs e fundos DI. Quando ela sobe, essas remunerações também tendem a subir. No ano passado, em meio ao choque da pandemia, a Selic chegou ao mínimo recorde de 2% ao ano, o que fez com que os retornos de muitos desses investimentos ficassem bem menores do que a inflação, algo inédito para o Brasil. No início deste mês, o BC anunciou o primeiro aumento da Selic em seis anos, para 2,75% ao ano.
Isso ainda deixa, por ora, a Selic abaixo da inflação, que está na faixa dos 5% atualmente. A tendência para a taxa de referência dos juros, porém, é de mais alta, podendo chegar a algo entre os 4% e os 6,5% até o final deste ano, de acordo com os sinais dados pelo BC e as projeções feitas pelos economistas. “Há uma tendência clara de aumento da Selic e, para o longo prazo, os pós-fixados devem ficar mais atrativos que os prefixados”, disse Leonardo Alvarenga, diretor da casa de análises Investmind. “Hoje os juros reais [descontados da inflação] ainda são negativos, mas, conforme a Selic for subindo, e a própria inflação comece a ceder, o pós-fixado é um investimento que fará sentido.”
Mais prazo, mais ganhos
O chefe de renda fixa da corretora Easynvest, Guilherme Artmann, destaca que os títulos com vencimentos mais longos, superiores a um ano, oferecerem remunerações maiores e, no caso dos pós-fixados, começam a ficar especialmente interessantes. É possível encontrar CDBs, LCAs e LCIs, de acordo com ele, pagando até 140% do CDI, que é uma outra taxa do sistema bancário que anda colada à Selic: para um CDI ou uma Selic de apenas 2%, uma remuneração de 140% significava apenas 2,8% ao ano.
Para os 2,75% atuais são 3,85% e, para os 4,5% a que os juros básicos podem chegar, a remuneração de 140% do CDI já passa a ser de 6,3% ao ano. Como a expectativa é que a inflação comece a baixar para perto dos 3,5% até o ano que vem, já seria uma margem de quase 3% acima dela. “Os pós-fixados dão mais segurança para quem não gosta de muita flutuação e, com essa mudança nos juros, eles já começam a ter mais força.”
Guilherme Artmann, chefe de renda fixa da Easynvest
A principal diferença entre os títulos pré e pós-fixados está no tipo de remuneração de cada um. Os prefixados têm taxas fixas, que não mudarão até o fim da aplicação, independentemente do que aconteça –por isso, costumam ser especialmente atraentes quando a tendência dos juros é de baixa. Se o investidor compra agora um título remunerando, por exemplo, 7% ao ano, ele continuará tendo direito a receber esses 7% mesmo que os juros do país e de outros títulos caiam para menos do que isso ao longo do tempo. Já os pós-fixados são atrelados a algum indexador que varia, como a taxa Selic ou o CDI. Se o indexador cai, a remuneração cai também, tanto quanto ficará maior caso o indexador suba.
O risco extra dos prefixados
Nos títulos privados, como os CDBs, LCAs e LCIs, eles começam a aparecer como uma porcentagem do CDI. Nos títulos públicos, do Tesouro Direto, só há uma opção de pós-fixado, o chamado Tesouro Selic, que remunera exatamente a taxa Selic. Ele é considerado o título mais seguro do Tesouro Direto, porque é o único em que o investidor pode sacar o dinheiro a qualquer momento, mesmo antes da data de vencimento, sem estar sujeito a perda nenhuma.
Isso não acontece nos outros títulos públicos, que incluem os prefixados e também os atrelados à inflação. Nestes, o investidor que precisar pegar o dinheiro antes do vencimento fica sujeito a receber o preço que está sendo pago por aquele título no momento do resgate. Esse preço, chamado de “marcação a mercado”, varia diariamente conforme a maior ou menor confiança dos investidores nesses papéis, e pode ser tanto maior quanto menor do que o valor inicialmente aplicado –implicando, sim, no risco de perdas.
Essa flutuação vale apenas para quem faz o resgate antes da data vencimento; quem segue até a data final tem os ganhos garantidos e recebe sempre exatamente a remuneração que contratou. É por causa dessa flutuação, porém, que as recomendações para os prefixados, hoje, estão especialmente reticentes. Como o mercado está muito instável, em meio ao descontrole da pandemia, da inflação e de incertezas políticas, as oscilações desses títulos ficaram especialmente mais fortes no último ano, trazendo um risco extra ao investidor.
“Os prefixados estão passando por muita volatilidade, a marcação a mercado pode ficar muito negativa e o cliente que gosta de tranquilidade pode ficar assustado”, disse Artmann, da Easynvest. “Por outro lado, para quem conhece o mercado, tem muita oportunidade [nos prefixados], já que as taxas de longo prazo ficaram altíssimas.”. De acordo com ele, as taxas oferecidas hoje pelos prefixados de duração superior a um ano estão mais altas do que seria seu nível de equilíbrio, puxadas para cima pelo estresse nos mercados. Elas podem cair ao longo do próximos meses, porém, conforme o cenário político, econômico e das contas públicas comece a mostrar sinais de melhora.
Foto: Priscila Zambotto / Getty Images