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ADARY OLIVEIRA – MODOS FÁCEIS DE DESESTATIZAR

Redação - 15/02/2021 09:55

Antes de ser instalado o Programa Nacional de Desestatização (PND), criado através da Lei 8.031 de abril de 1990, não existiam regras burocráticas para a realização da transferência da propriedade das empresas estatais para o controle privado. Era permitido privatizar desde que existissem o bom senso e a necessidade de viabilizar projetos com redução de custos e eliminação de ineficiências. Quando eu era diretor da BNDESPar, de 1979 a 1984, tive oportunidade de liderar algumas delas. Hoje e no próximo artigo revelarei algumas iniciativas de privatizações realizadas com pleno sucesso.

Entre as efetivações destaco o fortalecimento de uma empresa fabricante de celulose e papel localizada na região Sul. Um dos técnicos da BNDESPar, que fazia parte da minha equipe, de nome Leonardo, foi designado por mim para participar de reunião do Conselho de Administração (CA) da Paranapanema. Leonardo conhecia bem o projeto e o acompanhava há muitos anos. Além da BNDESPar ela tinha como acionistas o Grupo Ferraz, de São Paulo, e a Continental, de capital norte americano. O projeto, de uma fábrica de celulose e papel, tinha imperfeições e se tornado inviável por ação contrária de ecologistas do Vale do Paranapanema, em São Paulo.A BNDESPar era, portanto, sócia de americanos numa floresta de pinus Eliot que não podia ser utilizada como matéria prima na fabricação de celulose. Durante a reunião, que seguia em inglês, perguntaram a Leonardo se ele estava entendendo o que se estava discutindo, indagando se ele sabia falar inglês. Leonardo era meio calado, parecia um pensador fumando seu cachimbo, mas muito competente. O que os demais membros do CA não sabiam era que ele era filho de diplomata, nascera em Liverpool, na Inglaterra, tinha morado lá até completar 21 anos de idade. Falava inglês melhor do que todos eles, inclusive os americanos.

Eu discuti com Leonardo a situação da Paranapanema e fui à reunião seguinte com uma proposta, que os deixou preocupados.Anunciei que a BNDESPar sairia da sociedade através de uma cisão e levaria com ela, em valor equivalente à sua participação acionária, parte da floresta, exatamente a que ficava do lado Sul. Eles concordaram na hora depois de ouvir as explicações, perguntando o que eu desejava fazer com aquele ativo. Acontecia, no entanto, que um dos projetos que estava na minha carteira era o da empresa Papel de Imprensa S.A. (PISA), localizada em Jaguariaiva, no Estado do Paraná. Um ótimo projeto, mas com um ponto fraco difícil de ser corrigido: as florestas de sua propriedade destinadas a fornecer a matéria prima eram insuficientes, o que tornava o projeto vulnerável nesse aspecto. Desejava então transferir a parte correspondente da floresta para o projeto PISA, solucionando o problema de suprimento da matéria prima.

 Tendo a ideia sido aceita, em princípio, pelos demais acionistas da Paranapanema, não tive de me esforçar muito para conseguir a concordância dos acionistas da PISA: um grupo de empresários do Paraná e alguns jornais, entre eles o Estado de São Paulo o Jornal A Tarde, de Salvador. O Brasil concede isenção total de impostos na importação de papel de imprensa, condição mantida na Constituição de 1988, o que inibe o desenvolvimento desse negócio por empresas privadas do setor. Levei o assunto para a diretoria da BNDESPar e sobrou mérito para aprovar a operação. As duas, saída da Paranapanema, com sua consequente privatização, e aumento do capital social da PISA com subscrição e integralização de ações preferenciais através da incorporação das florestas, contínuas às florestas da PISA. Eu estive presente à inauguração da PISA em 1984, ao lado de D. Regina Simões, de A Tarde, quando a fábrica começou a operar. Hoje a PISA é uma unidade do grupo chileno BO Paper, chama-se BO Paper Pisa e produz 300mil toneladas anuais de papel por ano, maior produtora de papéis para impressão na América do Sul.

Existem, portanto, caminhos para se promover a saída do estado de determinadas empresas. Deve-se, contudo, estudar cada caso com suas peculiaridades, coisa que não se pode prever plenamente nos regulamentos oficiais.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

 

 

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