O pior cenário para a economia é um em que se interrompe de forma prematura o isolamento social em razão da pandemia de coronavírus sem escutar recomendações de autoridades de saúde, afirmou o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, no debate “Propostas para o Recomeço”, webinar promovido hoje pelo Valor em parceria com o Itaú Unibanco. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também participou da live.
Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Mesquita disse que a decisão de manter ou não a população em confinamento é técnica e científica. “Quem sabe a extensão necessária dessas medidas são as autoridades de saúde”, comentou o economista. Na sua visão, seria ainda mais negativo para a atividade se autoridades não escutarem os técnicos da área da saúde e derrubarem as medidas de quarentena antes do necessário. “Isso pode ser mais negativo para a atividade do que enfrentar o processo agora.”
O banco, de acordo com Mesquita, trabalha com um período de isolamento de cinco semanas. Por ora, a projeção oficial do Itaú é de redução de 0,7% do PIB em 2020. Ontem, o presidente do Itaú, Candido Bracher, afirmou que o PIB deve recuar mais no ano que os 0,7% previstos até então por Mesquita. “Peço desculpas ao meu economista-chefe, Mario Mesquita, mas acho que a economia vai cair mais”, disse o executivo na quinta-feira. O tamanho da contração econômica em 2020 vai depender da velocidade da retomada no período pós-isolamento social, avalia Mesquita.
“O impacto na economia vai depender da velocidade da retomada pós-isolamento social. Se a gente supor que vai ter o impacto no PIB no curtíssimo prazo na ordem de 30% num período de um mês, o crescimento deste ano, se a gente tiver recuperação integral no terceiro trimestre, o PIB vai ficar entre -0,5% e 1%”, disse. “Se a recuperação no terceiro trimestre for de 75% [do que foi perdido em termos de atividade], o PIB vai ficar em -2% no ano. Se ficar em apenas 50% [de recuperação], aí o PIB deste ano vai contrair entre 3% e 4%”, disse.
Ele estimou que o desemprego pode subir além de 12%. “No cenário pior, pode ir além disso, 12% ou 13%”, afirmou. Mesquita destacou que é difícil medir o tamanho do desemprego nesta crise por causa do distanciamento social. “A medida de desemprego pelo IBGE é a pessoa que está sem emprego e procurando emprego. Pode procurar emprego online, mas na rua… A coleta de dados fica prejudicada”, disse.
“Pelo que conseguimos acompanhar no banco, houve uma queda acentuada no fluxo de pagamentos, uma indicação importante sobre intensidade da atividade econômica. A queda foi na ordem de 40%. Mas na última semana, teve uma pequena melhora. Os dados até ontem davam 35%”, disse. O economista afirmou que todo o arcabouço das medidas de socorro a empresas precisa estar pronto até o fim deste mês. “As empresas não vão conseguir navegar tranquilamente por dois meses”, disse.
Olhando para frente, ele afirmou que, quando a economia voltar a crescer de forma mais sustentada, será preciso desenvolver as defesas do país, tanto de equipamentos de saúde quanto da estrutura fiscal, “para o governo atuar de forma mais rápida e de forma mais intensa em crises futuras”, disse.
Ele acrescentou que o déficit primário com certeza vai aumentar bastante, seja por elevação de gastos seja por perda de receita. “Não dá para descartar déficit primário entre 7% e 8% do PIB este ano”, disse. E o nominal poderia ir para 12% ou 13%. “Tem um baque no processo de ajuste fiscal, mas é administrável enquanto a gente conseguir manter o arcabouço de ajuste no médio prazo”, comentou, ao defender a PEC que permite flexibilização de gastos em momentos de calamidade.
“A questão é sinalizar que instituições da política econômica estão funcionando e que vamos voltar ao caminho do ajuste, quando for viável”, disse. Para ele, parece que as medidas do governo ajudam a mitigar o impacto. “Eu me preocupo mais com o operacional do que com o volume de recursos.” A questão, para Mesquita, é como fazer para a ajuda chegar a pessoas que escapam da malha de proteção social, como aquelas que trabalham como autônomos, por exemplo.
Questionado sobre sua avaliação a respeito da PEC que dá mais poderes ao Banco Central, Mesquita disse que considera a medida positiva, mas que a maior atuação da autoridade monetária no mercado de crédito e na compra de títulos privados precisa ficar restrita a momentos de crise como o atual.
“Acho que a PEC é positiva, desde que seja para momentos excepcionais. Não queremos que o Banco Central atue sempre no mercado de crédito”, disse o economista. O BC brasileiro, segundo Mesquita, é historicamente limitado em sua atuação por várias travas que vêm do passado de hiperinflação do país. “As travas não inviabilizam, mas não dotam o BC da capacidade do Fed dos EUA, por exemplo. A ideia de dotar o BC desses instrumentos é válida”, avaliou.
O economista-chefe do Itaú Unibanco destacou uma série de motivos que diferenciam a crise atual, deflagrada pelo coronavírus, da crise financeira global de 2008, mas apontou que vários legados daquela época ainda prevalecem hoje. Um deles é a capacidade de reagir cortando juros. Em relação a 2008, aquela foi a primeira vez que o Brasil enfrentou uma crise tão severa desde 1929 e conseguiu reduzir a taxa básica, em vez de subir. “Em 2009, cortamos bem fortemente a taxa de juros”, afirmou. “Foi uma crise que o Brasil não precisou recorrer ao FMI. Fizemos acordo de swap de moedas, sem condicionalidade de política econômica com o banco central dos Estados Unidos, acordo muito parecido com o que foi anunciado recentemente”, disse.
“Assim como em 2008, o Banco Central tem sido capaz de reagir cortando a taxa de juros, e não subindo. Fico contente de ver que continuamos a ter essa prerrogativa e não voltamos a ter elevação de juros em momento de crise internacional”, disse. O Itaú Unibanco vem trabalhando com projeção de contração de 0,7% do PIB e inflação de 2,9%, com queda de juros para 3,25%. O patamar estimado para o dólar é de R$ 4,60. Questionado se o Banco Central deveria reduzir mais os juros neste momento, Mesquita disse que, mais importante do que cortar a Selic, é importante que a autoridade monetária zele para que os mecanismos de crédito funcionem bem.
Feita essa ressalva, flexibilizar a política monetária “sempre acaba ajudando a atividade econômica”, disse o ex-diretor do BC. “Ajuda a retomada e contribui para segurar a alavancagem de empresas e famílias. Sozinho, um corte da Selic não resolve, mas num conjunto amplo de medidas, ajuda sim”. Mesquita destacou que esta é uma crise que nasce na saúde pública, bate no setor real e depois repercute no setor financeiro, diferentemente do que aconteceu em 2008.
“Acho que a parada brusca de atividade econômica no segundo trimestre do ano vai ser muito intensa, mais intensa do que se observou nos piores momentos de 2008 e 2009, mas é possível que a recuperação seja mais rápida que em 2008 e 2009”, disse. Isso aconteceria porque, naquela época, havia grande endividamento das pessoas e famílias, lembrou. “Agora, se a gente não tiver destruição de empresas e onda de falência, com aumento persistente do desemprego, a tendência é que a economia se recupere mais rápido, apesar do mergulho maior no curto prazo”, disse.
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