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PAÍSES RICOS FICAM SEM TRABALHADORES, E ESPECIALISTA PROPÕE IMIGRAÇÃO TEMPORÁRIA

João Paulo - 29/12/2025 08:59

Muitos países ocidentais enfrentam o que o Banco Mundial chama de uma “profunda crise demográfica”. Os dois perigos combinados de uma população envelhecida e de taxas de fecundidade em níveis recordes de baixa devem provocar uma queda acentuada da população nas próximas décadas.

As piores consequências dessa mudança demográfica, segundo o Banco Mundial, são econômicas. Em breve, a população em idade ativa nos Estados Unidos, no Canadá ou na Alemanha não será capaz de atender às próprias demandas constantes por bens e serviços de alta qualidade. Esses países ricos e envelhecidos terão de fazer uma escolha difícil para a sobrevivência econômica: forçar as pessoas a trabalhar mais ou permitir que imigrantes ocupem as vagas?

Lant Pritchett, um dos principais pensadores do mundo em economia do desenvolvimento, acompanha essa crise há décadas ao longo de sua carreira em Harvard, no Banco Mundial e na Universidade de Oxford, onde atualmente dirige um laboratório de pesquisa. Ele contou à Fortune seu plano radical para evitar um desastre econômico.

Por que a população está diminuindo?

No longo prazo, sem intervenção, a ONU prevê que o declínio do crescimento populacional pode desencadear um verdadeiro “colapso” demográfico. Esse colapso não deve ocorrer antes de meados do próximo século — se é que ocorrerá. No curto prazo, porém, a queda da população apresenta um problema econômico real e relativamente simples: o Ocidente em breve não terá trabalhadores suficientes. A proporção entre pessoas em idade de trabalhar e idosos nos países ricos logo se tornará tão reduzida que o sustento dos mais velhos será inviável.

No Japão, um país que já enfrenta as consequências do envelhecimento populacional, o custo médio dos cuidados de enfermagem deve aumentar 75% nos próximos 30 anos, com o primeiro-ministro Fumio Kishida alertando que o país está “à beira do colapso”.

Nos Estados Unidos, alertaram think tanks, uma população mais velha, com mais aposentados, significa uma base tributária menor e maiores demandas sobre programas como a Previdência Social e o Medicare, além de um número menor de pessoas em idade ativa para contribuir com esses sistemas.

Em resumo, temos uma “bomba-relógio” nas mãos, nas palavras do primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, cujo governo introduziu no ano passado uma semana de trabalho de seis dias para enfrentar a escassez de mão de obra no país.

A medida provocou fúria e protestos entre os trabalhadores, que observavam seus “primos” alemães e belgas adotarem semanas de quatro dias. De fato, mesmo quando alguns países europeus e algumas empresas americanas flertam com a ideia de trabalhar menos, economistas e políticos em pânico soam o alarme: precisamos trabalhar mais.

Um estudo realizado pela consultoria Korn Ferry constatou que, até 2030, haverá uma escassez global de mais de 85 milhões de talentos humanos — número equivalente, aproximadamente, à população da Alemanha.

Essa falta de profissionais poderia reduzir em US$ 8,5 trilhões as receitas esperadas dos países, afetando tanto setores altamente qualificados, como serviços financeiros e tecnologia da informação, quanto empregos na indústria, considerados de “menor qualificação” e que exigem menos escolaridade. Agora é a hora de agir, disse o veterano da economia Pritchett à Fortune. Mas isso envolve repensar de forma radical o atual debate sobre imigração.

A economia clássica oferece várias maneiras de enfrentar a escassez de mão de obra, afirmou Pritchett. Como a maioria das vagas não preenchidas é “não qualificada”, ou não exige diploma, uma solução para empresas e governos é investir em automação, fazendo essencialmente com que robôs preencham o vazio.

Mas, embora a automação ajude a realizar o trabalho, ela deprime os salários dos trabalhadores humanos ao reduzir o número de vagas disponíveis, “agravando” o problema, disse Pritchett. Alguns defendem o aumento dos salários para incentivar mais pessoas a trabalhar. Mas a maior parte da população em idade ativa nos Estados Unidos já está empregada.

Apesar de um declínio bem documentado na parcela de homens em idade ativa com emprego nas últimas décadas, Pritchett afirmou que a grande maioria desses homens está trabalhando, o que significa que aumentar os salários teria, no máximo, efeitos limitados. Há espaço para mais mulheres entrarem no mercado de trabalho, observou ele, mas isso poderia afastá-las de outras responsabilidades importantes que recaem de forma desproporcional sobre elas, como cuidar da família ou criar filhos. Isso deixa duas outras opções: forçar os trabalhadores a trabalhar mais ou permitir um fluxo de imigração legal e controlada.

Vamos precisar de uma semana de trabalho de seis dias?

O plano de Mitsotakis para uma semana de trabalho de seis dias é um passo na direção certa no curto prazo, disse Pritchett. Mas “a economia não é apenas sobre direção: é sobre magnitude”, acrescentou. Em outras palavras, pequenos ajustes de política não bastam.

Se estamos tentando enfrentar um grande problema estrutural da força de trabalho dos Estados Unidos, a solução precisa ser ambiciosa e abrangente — exatamente o tipo de legislação que os políticos americanos têm evitado em grande parte nos últimos anos.

Se os formuladores de políticas simplesmente tentarem fazer com que todos trabalhem um dia a mais, a conta não fechará no longo prazo, disse Pritchett. Mesmo que a Grécia tenha um “sucesso fantástico” e aumente suas horas trabalhadas em 10% ao longo dos próximos 30 anos, esse crescimento representaria apenas uma “gota no oceano” no combate a uma escassez de mão de obra que só tende a piorar.

Ele calculou um déficit demográfico global de 232 milhões de trabalhadores em seu artigo mais recente, mesmo assumindo a maior taxa possível de participação na força de trabalho.

“Você não consegue resolver um problema que cresce ao longo do tempo com uma [força de trabalho] que tem um limite máximo”, disse ele. Seria necessário fazer a força de trabalho trabalhar cada vez mais, e mesmo assim nunca seria possível preencher a lacuna.

Pritchett tem uma ideia melhor. Ele sabe que o atual debate sobre imigração é tenso, já que o Ocidente se preocupa com as implicações sociais de permitir a entrada de mais migrantes em suas fronteiras.

Mas ele sustenta que a única forma de resolver o problema de mão de obra dos países ricos é permitir a entrada de imigrantes para trabalhar, especialmente vindos de países onde o crescimento populacional está aumentando, como Nigéria ou Tanzânia, e não diminuindo.

Na visão dele, o debate ocidental sobre imigração assumiu um caráter desnecessariamente binário, com a escolha retratada como sendo entre um caminho para a cidadania ou fronteiras fechadas.

Em um artigo intitulado “A aceitabilidade política da mobilidade laboral por tempo limitado”, Pritchett afirma que o Ocidente em breve terá de abandonar essa visão.

Em vez disso, ele defende que os países desenvolvidos adotem um sistema em que imigrantes possam ir trabalhar por um período limitado — enquanto também compram bens e serviços, alugam casas, abrem empresas e contratam trabalhadores — e depois retornem a seus países de origem, deixando ambas as partes mais ricas.

Como resolver a crise da imigração

A verdade, disse Pritchett, é que os Estados Unidos precisam de imigrantes de baixa qualificação, e muitos imigrantes precisam do impulso econômico de trabalhar nos Estados Unidos. A imigração é uma relação simbiótica da qual o Ocidente não consegue abrir mão — e é por isso que é tão difícil, na prática, controlar as fronteiras.

“A forma de proteger a fronteira é criar um meio legítimo para que pessoas e empresas obtenham a mão de obra de que a economia realmente precisa, de maneiras legítimas e legais; e, enquanto não tivermos isso, todo esse debate sobre muro e coisas do tipo é simplesmente bobo”, disse Pritchett.

A intensificação do combate à imigração irregular e legal desde o fim dos anos 1980 levou à fixação permanente de migrantes, segundo Hein de Haas, sociólogo da imigração. Antes da década de 1980, os Estados Unidos e o México mantinham uma relação semelhante ao programa de vistos de trabalho imaginado por Pritchett.

Os mexicanos atravessavam livremente a fronteira, iam por um curto período para trabalhar, voltavam para casa para aproveitar o dinheiro e, às vezes, repetiam esse percurso ao longo de vários anos, escreveu Haas. Eles nunca se estabeleciam de forma permanente porque, sabendo que podiam ir e vir quando quisessem, não precisavam fazê-lo.

Os Estados Unidos facilitaram esses programas de imigração temporária voltados especificamente para mexicanos, incentivando trabalhadores contratados a ir ao país após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

O segundo desses acordos, o Programa Bracero, estabeleceu um tratado para o emprego temporário de trabalhadores rurais mexicanos nos Estados Unidos e foi tão popular que se estendeu muito além de sua duração inicial, permitindo que quase 5 milhões de mexicanos trabalhassem temporariamente no país entre 1942 e 1964. (O programa terminou em 1965, quando os Estados Unidos limitaram drasticamente a imigração da América Latina como parte de uma grande reformulação das leis migratórias.)

O que Pritchett sugere não é muito diferente de simplesmente voltar no tempo, a uma época em que os imigrantes podiam se deslocar e trabalhar livremente.

Ele propõe um sistema de prazo fixo: o trabalhador vai aos Estados Unidos com o entendimento de que não está em um caminho para a cidadania, trabalha em um contrato de três anos e depois retorna ao seu país de origem. Após um “período de pausa” de seis meses a um ano, o imigrante poderia voltar para mais três anos.

“Há 1 bilhão de pessoas no planeta que viriam para os Estados Unidos nesses termos”, disse Pritchett. “Mas não temos isso disponível.”

Ele não está exagerando sobre o bilhão. Em uma pesquisa de 2010, o Gallup perguntou a pessoas ao redor do mundo se gostariam de se mudar temporariamente para trabalhar em outro país. Cerca de 1,1 bilhão responderam “sim”, incluindo 41% da população entre 15 e 24 anos e 28% entre 25 e 44 anos, disse Pritchett.

“O que você consegue ganhar na América em três anos e levar de volta para o Senegal é uma fortuna em comparação com qualquer outra coisa que você poderia fazer para se sustentar no Senegal”, acrescentou. “Você volta para o Senegal, constrói uma casa, compra seu próprio negócio e transforma sua vida trabalhando temporariamente.”

Para evitar possível escassez de mão de obra nos países de origem, o sistema de Pritchett dependeria de acordos bilaterais entre os países anfitriões e os emissores, e as nações “poderiam optar por impor limites à sua participação” para atender às próprias necessidades de trabalho, disse ele.

Enquanto isso, os Estados Unidos receberiam novos contingentes de trabalhadores para os setores de serviços, cuidados com idosos ou indústria — essencialmente, todos os empregos que, de outra forma, ficariam sem preenchimento.

Políticas como essas ainda não estão sendo discutidas no cenário nacional, mas Pritchett acredita que isso mudará em breve. Com a escassez de mão de obra que se aproxima e a impopularidade de forçar os trabalhadores a labutar por mais tempo, os políticos terão de ampliar sua compreensão sobre imigração para permitir políticas como a dele. Por enquanto, ele está plantando a semente.

Em parceria com a economista Rebekah Smith, Pritchett criou uma organização chamada Labor Mobility Partnerships (LaMP), que busca construir apoio político para um sistema temporário e rotativo de imigração.

Na forma como ele vê a questão, nada mudará ao apresentar a ideia a políticos (“que tendem a ser seguidores, não líderes”); por isso, ele está trabalhando com países que já estão expandindo seus canais de imigração, como a Espanha.

Ele também está se aproximando de líderes empresariais em setores que serão os mais atingidos pela escassez de mão de obra, como o de cuidados com idosos, que poderiam “ser potencialmente uma força poderosa” para explicar aos políticos por que propostas como a dele são necessárias. “Às vezes, as ideias são como represas: enormes, imóveis, impenetráveis, capazes de conter a água para sempre”, escreve Pritchett na conclusão de seu artigo. “Mas uma pequena fissura, estrategicamente colocada, pode fazer com que uma represa seja levada embora da noite para o dia.”

(Foto: Etienne Laurent/AFP/Getty Images/The New York Times Licensing Group)

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