segunda, 08 de dezembro de 2025
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WALDECK ORNÉLAS – FORD E BYD NA BAHIA

Redação - 08/12/2025 05:03

A indústria automobilística foi a última das conquistas significativas que a Bahia obteve na área econômica. Esta história, ainda recente, teve início com a disputa pela destinação ao Nordeste de incentivos para a expansão dessa indústria no país.

Então no Senado, participei ativamente das articulações para que isto viesse a ocorrer. Em conjunto com o deputado José Carlos Aleluia, relator da matéria, articulamos, nas duas casas do Legislativo, uma nova composição para a Comissão Especial da Medida Provisória (MP) da Indústria Automobilística, e aprovamos no voto um substitutivo que criava incentivos para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Palácio chamou-nos para conversar: aprovaríamos a MP original e seria editada outra MP, especificamente voltada para as regiões de menor desenvolvimento do país. Concordamos, e assim foi feito.

A Bahia tentou, inicialmente, trazer uma automobilística coreana, mas foi com a ojeriza, do então novo governo do Rio Grande do Sul, à atração de investimentos privados, que a oportunidade surgiu, viabilizando a vinda da Ford. Hoje, no Nordeste, não só a Bahia, mas também Pernambuco e Ceará têm seus polos automotivos, assim como Goiás, no Centro-Oeste.

A conquista da Ford tornou-se frustração, duas décadas depois, uma vez que a empresa destinou as suas manufaturas daqui e do resto do país a uma linha de produtos que não resistiu à modernização do mercado, tendo encerrado as suas atividades fabris no Brasil.

O período foi, contudo, suficiente, para consolidar o seu Centro de Desenvolvimento de Produtos instalado na Bahia. A fábrica foi embora, mas o centro de PD&I foi mantido e continua a dar frutos.   

O atual Centro Técnico de Camaçari, da Ford, estabeleceu uma profícua parceria com o Cimatec, tendo sido transferido para o Cimatec Park, também em Camaçari, e reúne hoje mais de 1.500 engenheiros – o dobro que em 2021, quando a manufatura foi desativada – sendo agora responsável por aproximadamente 1/3 da tecnologia aplicada nos veículos da Ford ao redor do mundo!

Martín Galdeano, o CEO da Ford na América do Sul, anunciou recentemente que a empresa inaugura, em abril de 2026, sua sede no Cimatec Park, um novo edifício exclusivo e específico, com capacidade para mais 800 engenheiros, ampliando o peso e a importância do centro de tecnologia da Ford sediado na Bahia na estrutura global da empresa.

Vale aqui um parênteses para registrar que o Campus Integrado de Manufatura e Tecnologias – Cimatec é uma iniciativa da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) que, através da diretoria regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), dotou o Estado de uma instituição que, reunindo Escola Técnica, Universidade e Centro de Pesquisas, já é o mais avançado instituto de tecnologia e inovação do Brasil, contando atualmente com 44 áreas de competência, provavelmente o mais importante centro tecnológico do país, abrangendo um ecossistema de inovação fadado a ser o equivalente brasileiro do MIT.

Sua unidade Cimatec Park é um complexo tecnológico e industrial, em área de quatro milhões de metros quadrados, com laboratórios avançados, grandes usinas piloto, áreas de segurança para testes e operações de risco, e terá uma pista de teste para o setor automotivo. Para esse ambiente é que se transferiu o Centro Técnico da Ford em Camaçari.

Foi para as antigas instalações da Ford, ampliadas e retrofitadas, que veio a BYD, a nova indústria automobilística na Bahia. Com expertise na tecnologia dos veículos elétricos, a empresa chinesa planeja ter aqui uma importante e estratégica plataforma de produção fora do seu país de origem, podendo chegar a 600 mil veículos/ano, visando, claro, não apenas o mercado nacional, mas como hub para exportações, driblando as pesadas tarifas de importação impostas aos veículos chineses por vários países das Américas, inclusive pelos Estados Unidos, numa guerra econômica de gigantes. Daqui, também a Europa está no radar da companhia.

O projeto não é, contudo, de conhecimento público, e vem sendo anunciado a conta-gotas. Alguns aspectos relevantes estão ainda muito obscuros. É que a Bahia, escaldada pela saída da manufatura da Ford, não deseja ter apenas uma fábrica de automóveis. 

Neste sentido, um fato recente preocupou profundamente os baianos, quando a empresa, depois de haver prometido fazer da Bahia “o Vale do Silício brasileiro”, nas palavras de sua vice-presidente Stella Li, anunciou um outro centro de pesquisas no Rio de Janeiro, desconhecendo talvez o importante ecossistema de inovação com que conta o Estado.

De positivo, registre-se que a companhia já apresentou, recentemente, o seu primeiro modelo com sistema híbrido plug-in flex, que pode ser abastecido tanto com gasolina quanto etanol. É preciso que esteja atenta ao uso dos biocombustíveis em geral, na medida em que o semiárido baiano, com o envolvimento direto do Cimatec, está prestes a se tornar um grande produtor de matéria prima para biocombustíveis, a partir do agave (sisal) e da macaúba, consolidando um diferencial brasileiro.  

Outro ponto ainda não esclarecido – embora a produção já tenha se iniciado – diz respeito à logística de escoamento dos produtos. A empresa não ficou com o antigo “porto da Ford” (propriedade do Estado), de pequeno porte, é verdade, para a nova escala de produção e acessado pelo canal de Aratu. Uma incógnita, haja vista o volume da produção e o porte dos navios ro-ro da companhia.

Quiçá os chineses se interessem por fazer o novo porto de que a Baía de Todos os Santos está precisando para se consolidar como hub-port no Atlântico Sul. 

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.   

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