sábado, 22 de novembro de 2025
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SARAMANDAIA SE DESTACA COMO POTÊNCIA CRIATIVA DO BRASIL

João Paulo - 22/11/2025 14:13

Localizado no subúrbio rodoviário de Salvador, o bairro de Saramandaia está se destacando como potência criativa do Brasil. Um território vivo, pulsante, inventivo — situado entre o Shopping da Bahia, a Rodoviária e a Avenida Paralela — onde memória, identidade, arte e afeto se cruzam todos os dias. Um bairro erguido pela força dos seus moradores, pela história da ocupação, pelo desejo coletivo de existir e sobreviver com dignidade.

É desse lugar, nascido da luta e alimentado pela criatividade, que surge uma das vozes mais importantes do cinema periférico contemporâneo. O jovem realizador Lúcio Lima se firma como uma das vozes mais importantes do cinema periférico brasileiro. Um jovem para se prestar atenção.

Lúcio não filma de fora. Ele filma de dentro. Ele não interpreta a periferia: ele vivencia, respira e constrói junto. “Nós precisamos ser autores da nossa própria narrativa. Se não somos nós a contar, vão continuar contando errado”, declara.

A partir desse princípio nasce o Art’Mandaia, idealizado por Lúcio Lima há 15 anos, dentro da própria comunidade. Um coletivo de arte, cultura, formação e memória que realiza oficinas de audiovisual, teatro e música; mobiliza jovens; cria ações nas escolas; organiza cineclubes; preserva arquivos; produz espetáculos e debates nos becos e vielas. Um projeto que transformou o bairro em território de criação e pertencimento.

O Art’Mandaia foi certificado como Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura, reconhecimento que legitima seu impacto e sua importância para a cultura popular e da periferia. Essa história, construída ao longo de anos, alcança agora o reconhecimento nacional com o Prêmio Periferia Viva 2025, do Ministério das Cidades.

Entre mais de 2.600 iniciativas brasileiras, o Art’Mandaia foi selecionado como uma das 150 vencedoras — colocando Saramandaia no mapa do país como referência de cultura, criatividade, educação popular e mobilização comunitária.

“Quando o Art’Mandaia vence o Periferia Viva, não é só um prêmio. É Saramandaia dizendo ao Brasil: nós também produzimos arte, memória, afetos. Nós também criamos futuro”, acrescenta.

A trajetória artística de Lúcio nasceu ainda criança, no grupo de teatro da APMS (Associação de Pais e Mestres de Saramandaia).  Seu primeiro trabalho no cinema veio em “Trampolim do Forte”, de João Rodrigo Matos, interpretando o protagonista Déo. O filme marcou sua estreia e despertou nele a certeza de que o cinema era o caminho.

Licenciado em Arte pela UFBA, Lúcio mergulhou na produção audiovisual a partir do próprio território. Em “Retalhos – A memória viva de Saramandaia”, reconstruiu a história do bairro a partir de depoimentos de moradores e imagens raras gravadas por seu pai nos anos 80 e 90, revelando a luta pela moradia, os mutirões, as festas, as relações de vizinhança, as descobertas e os gestos que moldaram a identidade local.

Depois, em “Pernambués – Quilombo Urbano”, expandiu seu olhar para um dos maiores e mais importantes territórios negros de Salvador. Agora, em 2025, Lúcio finaliza seu novo documentário sobre o Quilombo do Cabula — um território negro ancestral, datado do século XIX, marcado pela presença dos povos bantos e de práticas culturais, religiosas e sociais que ajudaram a constituir a Salvador negra que existe até hoje.

Um filme que investiga memória, permanência e ancestralidade com olhar contemporâneo. Mas é com a ficção que Lúcio dá um novo passo. “Mundinho”, seu primeiro filme de ficção, foi filmado e finalizado em 2025.

Protagonizado pelos atores baianos Luiz Pepeu e Cyria Coentro, intérpretes de enorme sensibilidade e prestígio, o filme acompanha um casal de idosos que, durante o lockdown, reencontra o amor, o humor e as fantasias antigas — enquanto enfrenta a fome e a falta de dinheiro dentro de casa.

O dilema central — matar ou não Zefa, a galinha tratada como filha — expõe com delicadeza e intensidade a realidade de tantas famílias brasileiras naquele período. “Mundinho” acaba de ser selecionado para a Mostra Competitiva Nacional do Festival de Cinema de Trancoso, onde fará sua estreia nacional agora em dezembro.

Lúcio também já foi reconhecido com o Prêmio Antonieta de Barros, concedido a jovens comunicadores negros que enfrentam o racismo através da comunicação, e com o Prêmio Comunica a Diversidade, do Ministério da Cultura, que destaca iniciativas de comunicação popular com impacto social em todo o Brasil.

Em todas essas obras, ele honra quem veio antes: Seu Armando Nicolau, Dona Terezinha, sua mãe Luciene Oliveira, seu pai Cícero Lima e o Padre Geraldo. No centro de tudo está Saramandaia.

“Eu tenho orgulho de onde eu sou. Saramandaia é o meu ponto de partida e de chegada. É o lugar que me ensinou que a periferia não é cenário: é protagonista. O reconhecimento do Prêmio Periferia Viva reforça o que Saramandaia sempre foi: um território de arte, de força, de futuro”, finaliza.

Fotos: Divulgação

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