

Sérgio Faria, engenheiro e escritor, presidente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador e membro da ABROL – Academia Brasileira Rotária de Letras
Talvez nenhum esporte tenha conquistado tantos adeptos, tão silenciosa e vertiginosamente, quanto a corrida de rua. De repente, após a pandemia, o mundo inteiro parece ter despertado para o desafio de calçar um par de tênis e deixar o corpo contar sua própria história.
Sou corredor amador – mais amador do que corredor – mas isso pouco pesa. Quem se permite entrar nesse universo pulsa junto com ele e sabe que será protagonista absoluto de sua aventura. Na corrida, cada um carrega seu enredo.
Comecei a correr aos 47 e tracei uma meta que mais parecia capricho: alcançar 50 medalhas até completar 50 anos. O jogo ficou sério, bati a meta e não parei mais de correr.
Hoje, estou perto de completar a marca de 300 medalhas. Carrego no peito os mais diferentes percursos e, ultimamente, atrevi-me ao desafio de correr uma maratona por ano (Salvador, 2022 e 2024; Valencia/Espanha, 2023; e Rio de Janeiro, 2025).
Completar os 42,195 km é atravessar uma espécie de fronteira invisível. Não se descreve: vive-se. E viver uma maratona exige mais do que o corpo consegue nomear.
Para o jornalista e maratonista Sérgio Xavier Filho, por qualquer ângulo que se olhe, a maratona é um exagero – mas não tem jeito: é sonho de consumo.
Disciplina, planejamento, esforço, motivação, fé, coragem, determinação, garra, atitude, perseverança e entrega são palavras que, obrigatoriamente, compõem o dia a dia de todo maratonista e ajudam a reduzir a distância entre o sonho e a conquista.
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Conta a Mitologia que a primeira corrida que se tem notícia foi uma prova de vida ou morte, organizada por ordem de Esqueneu, pai de Atalanta e rei de Ciros. O desafio prometia a mão da princesa corredora ao vencedor, mas deveria punir com a morte os vencidos, o que terminou gerando o massacre de mais de uma centena de desafiantes.
Um dos juízes da prova, o jovem Hipomene, enlouquecido pela beleza de Atalanta, ou sou pro por um novo desafio: uma corrida onde apenas os dois estives sem na disputa.
Hipomeneapelou para Afrodite, deusa do amor e da beleza, que, sensibilizada com a coragem daquele jovem, deu-lhe uma maçã de ouro do seu pomar, orientando como a fruta deveria ser utilizada durante a corrida.
Logo após a largada, Atalanta se distanciou, imprimindo um ritmo invejável. Na segunda metade da prova, Hipomeneatirou a maçã e Atalanta, hipnotizada pela beleza do fruto dourado, terminou sendo ultrapassada.
O casamento de Atalanta e Hipomene chegou a se concretizar, mas, como este deixou de agradecer a Afrodite, o casal foi punido, transformado numa parelha de leões.
Ainda dentro das lendas da Grécia Antiga, o nome “maratona” está diretamente associado à Batalha na Baía de Maratona, quando o bravo exército ateniense venceu os persas, a despeito da expressiva desvantagem numérica.
À frente do exército de Atenas estava o general Milcíades e, segundo a lenda, uma vez consagrada a vitória, este teria enviado um mensageiro de volta para Atenas, mas, exausto e completamente debilitado após percorrer os 42 quilômetros entre a Baía de Maratona e Atenas, Pheidippides, o soldado -corredor, teria morrido imediatamente após sua chegada, não sem antes balbuciar o nome de Nike, festejada como a deusa da Vitória.
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Assim, passeio pela Mitologia e sigo treinando… Volta e meia, a ideia de mais uma maratona me acena ao longe, mas eis que me vêm à mente a imagem do massacre de Atalanta e o espectro do mensageiro grego… Recolho meus pensamentos, guardo o impulso.
“Ideiasem pernas e ideiasembraços”, no dizer preciso de Machado de Assis.
Foto: Divulgação