quinta, 20 de novembro de 2025
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COMO MESSIAS POSICIONOU A AGU EM TEMAS SENSÍVEIS QUE ESTÃO EM DEBATE NO STF

VICTOR OLIVEIRA - 20/11/2025 16:48

O ministro Jorge Messias chefiou a Advocacia-Geral da União (AGU) por quase três anos e durante este período como uma de suas principais atribuições manifestar o posicionamento do governo federal em processos de repercussão nacional em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), onde agora almeja atuar como magistrado.

Dentre os casos em que Messias atuou em nome da União, constam ações encerradas, a exemplo do julgamento do marco civil da internet, e outras que ainda tramitam e que podem, inclusive, contar com o seu voto, como é o caso da proposta de conciliação sobre o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Messias oscilou entre posicionamentos firmes, sem margem para modulações, e propostas intermediárias, que acomodavam o desejo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o polos adversários representados por atores poderosos, como as plataformas de delivery, a bancada evangélica ou o agronegócio.

Responsabilização das big techs

Em junho deste ano, o STF julgou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelecia que as plataformas digitais só poderiam ser responsabilizadas após descumprirem ordem judicial de remoção. Com essa decisão, a Corte ampliou a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos ilegais publicados por usuários.

Messias atuou no caso e realizou sustentação oral em defesa da derrubada total do artigo, posição esta ainda mais radical do que a decida pelo STF, que invalidou apenas partes do texto

“Estamos falando de um ambiente de infodemia que tomou conta do nosso País com um ecossistema de desinformação”, afirmou durante o julgamento. “Neste contexto, o fato é que a imunidade trazida pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet tem sido utilizada pelas plataformas digitais para uma conduta absolutamente omissa e que tem levado a um déficit da nossa qualidade democrática”, completou.

O ministro da AGU ainda defendeu que os usuários das redes sociais estão em situação de “hipossuficiência” na relação com as plataformas e, por isso, merecem proteção.

Existência de vínculo trabalhista entre motoristas e plataformas

Messias propôs a compatibilização de balizas mínimas de proteções aos trabalhadores em aplicativos de transporte e a autonomia das empresas em estabelecer o seu modelo de trabalho.

O posicionamento reconheceu, portanto, que não há vínculo entre os motoristas e as plataformas, como Uber e 99taxi, mas que seria preciso instituir “proteção jurídica e social” a esses trabalhadores. A decisão da AGU na justiça contraria setores da esquerda e grupos de motoristas e entregadores que cobravam o reconhecimento de vínculo trabalhista.

“Embora a relação entre plataformas digitais e motoristas não corresponda aos modelos convencionais de empregado e empregador, isso não significa, de maneira alguma, que tais trabalhadores devem ficar desassistidos de qualquer proteção jurídica ou seguro social”, afirmou Messias.

“Defendemos, portanto, autonomia com proteção de direitos. É necessária a garantia de proteção contratual e social aos prestadores de serviço por aplicativos”, completou.

O ministro propôs como tese de julgamento no STF as mesmas medidas que o governo Lula tem estudado para regular as relações trabalhistas entre motoristas e plataforma: regulação de tarifa e remuneração; imposição às empresas de contribuições previdenciárias; criação de um piso remuneratório reajustado com base, preferencialmente, na política nacional de reajuste do salário mínimo; limitação de horas de conexão na plataforma por dia; dentre outros benefícios.

Marco temporal

Messias não se posicionou oficialmente sobre o marco temporal para demarcação das terras indígenas – tema que antagoniza o governo Lula e largos setores do Congresso por fixar a data de promulgação da Constituição Federal como data limite para reconhecimento de territórios pertencentes aos povos indígenas.

Quando o STF retomou o julgamento do caso em setembro de 2023 para decidir que a tese é inconstitucional, a AGU e outras instituições já haviam realizado as suas sustentações orais. Porém, Messias apresentou recurso para esclarecer pontos da decisão e atuou ativamente na fase de conciliação iniciada após o julgamento pelo ministro Gilmar Mendes para tentar atender demandas de ruralistas e do Centrão insatisfeitos com a decisão.

O chefe da AGU afirmou, por exemplo, que o marco temporal é uma questão “inconciliável”, mas que a União reconhecia a possibilidade de negociar dispositivos relacionados aos aspectos patrimoniais. A pasta também foi responsável por instruir o presidente Lula a vetar parcialmente a lei aprovada pelo Congresso em resposta ao STF que restabelecia a tese de um prazo para demarcação das terras indígenas.

Messias apresentou à mesa de negociação no STF um plano de regularização de terras indígenas que estão em disputa judicial e propôs pagar as indenizações, por meio de precatórios a pessoas que ocupam territórios reivindicados pelos povos originários.

Aborto e descriminalização da maconha

Messias não apresentou posicionamento oficial nos processos envolvendo a descriminalização do aborto e do porte de maconha no País, mas defendeu formas de abordar as questões que demonstram como ele pode se portar nesses temas no STF.

Em relação ao aborto, o ministro foi contra a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibiu médicos de realizarem a chamada assistolia fetal nos casos de aborto legal em mulheres que sofreram estupro e estão com gestação acima de 22 semanas. A assistolia fetal é uma técnica médica recomendada pelo Ministério da Saúde e internacionalmente que utiliza medicações para interromper a gravidez antes da retirada do feto do útero.

O ministro defendeu que a regulamentação do procedimento para realização do aborto nas situações permitidas por lei só pode ser feita pelo Congresso. Apesar do posicionamento, Messias está impedido de votar no processo sobre a descriminalização do aborto, pois o seu antecessor, Luís Roberto Borroso, já apresentou voto.

No entanto, ele vai assumir uma ação no qual quatro entidades da sociedade civil pedem ao Supremo que determine a adoção de providências para garantir o aborto em hipóteses permitidas pelo Código Penal e no caso de gestação de anencéfalos.

Já em relação à maconha, a AGU não expressou a sua posição. A única atuação da pasta no tema foi em outubro deste ano ao pedir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a prorrogação em 180 dias do prazo para a publicação do ato normativo que vai regulamentar o acesso aos fármacos derivados de cannabis para fins medicinais e científicos.

Letalidade policial e ADPF das Favelas

Assim como no caso do aborto, Messias não firmou posição sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento (ADPF) das Favelas que tramita no STF e temas correlatos sobre letalidade policial e violações de direitos humanos em operações da Polícia nas periferias. O ministro assumirá a relatoria da ADPF, que está provisoriamente sob responsabilidade de Alexandre de Moraes.

A despeito da falta de posicionamento em processos em tramitação no STF, Messias já deu demonstrações de como pensa o tema da violência e letalidade policial. Em março de 2024, o ministro criticou publicamente propostas apresentadas por governadores de direita que defendiam o endurecimento da legislação penal.

“Populismo penal, à semelhança do que se observou em tempos bíblicos, mata inocentes, mas não reduz a criminalidade. A violência deve ser combatida por uma política de segurança eficiente, com uma polícia equipada, organizada e valorizada”, publicou no X.

Messias se manifestou contra o pedido do governo do Rio de Janeiro para que o Ministério da Defesa enviasse blindados para apoiar a Polícia em operações. O ministro disse ser necessário um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Fonte: Estadão Conteúdo

Foto: José Cruz / Agência Brasil

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