

A execução das sentenças proferidas nos Juizados Especiais Cíveis foi concebida sob a lógica da celeridade e da simplicidade, em conformidade com os princípios que regem esse microssistema.
Assim, o art. 52 da lei 9.099/1995 prevê disposições específicas, dentre as quais, para o presente opinativo, destaca-se a hipótese do inciso III, segundo o qual a intimação da sentença deve ser realizada, sempre que possível, na própria audiência em que fosse proferida, ocasião em que o vencido já seria instado a cumprir a obrigação após o trânsito em julgado e advertido das consequências do descumprimento.
A ideia é clara: em um modelo em que se imaginava que as sentenças seriam proferidas oralmente ao final da instrução, a ciência imediata do resultado dispensaria intimações posteriores, bastando que o credor requeresse a execução em caso de inadimplemento.
Ocorre que, na prática forense, a realidade dos Juizados Especiais diverge do modelo originalmente imaginado pelo legislador, pois a imensa maioria das sentenças não é proferida oralmente em audiência, mas publicada posteriormente no sistema eletrônico.
Nessa circunstância, não se concretiza a situação prevista no art. 52, III, pois inexiste a intimação imediata em audiência com a correspondente advertência ao vencido. Isso significa que a aplicação literal do dispositivo fica prejudicada, já que a própria hipótese fática que justificaria a dispensa da nova intimação raramente se verifica.
Assim, vem o questionamento: no âmbito dos Juizados Especiais, quando não há a prolação em audiência, a intimação sobre a própria sentença, com a simples menção de que “transitado em julgado e não havendo cumprimento voluntário da obrigação de pagar, deverá a exequente promover a execução forçada” supre a necessidade de intimação específica para pagamento?
A resposta, sob uma perspectiva técnico-processual, parece ser negativa.
Isso porque, o próprio art. 52 da lei 9.099/1995 determina que a execução seguirá o rito do CPC, no que couber.
Logo, no que se refere ao cumprimento de sentença, quando não é cumprida a hipótese fática que justificaria a dispensa da nova intimação – prolação da sentença em audiência -, deve-se aplicar o art. 523, do CPC.
Tal dispositivo, ao determinar que o cumprimento definitivo da sentença se fará a requerimento do exequente, sendo o executado intimado especificamente para efetuar o pagamento em quinze dias, revela a opção do legislador pela intimação como condição necessária para inaugurar o prazo de pagamento voluntário, sob pena de nulidade o ato executivo.
O que se observa, portanto, é que a não intimação do executado para pagamento no âmbito dos Juizados Especiais traduz uma tentativa de transpor para a realidade atual a lógica do art. 52, III, da lei 9.099/95, mas sem que se verifique a condição fática que legitimava a dispensa da intimação: a ciência oral e imediata em audiência.
O risco de nulidade processual, nesse cenário, é evidente, já que a parte vencida pode ser surpreendida com medidas executivas sem jamais ter tido oportunidade concreta de cumprir espontaneamente a decisão.
Não por acaso, são frequentes os casos em que, diante dessa interpretação, a parte ré não é formalmente intimada para pagar o débito, e quando é surpreendida diretamente com a constrição patrimonial, invoca nulidade processual, sob o argumento de que o prazo jamais se iniciou validamente.
O devedor sustenta, com razão, que não lhe foi aberta a oportunidade de adimplir a condenação sem acréscimo de multa, tal como assegurado pelo art. 523, caput, do CPC.
O processo, então, fica paralisado pela necessidade de apreciação dessa nulidade, frequentemente com interposição de recursos e remessa dos autos às instâncias revisoras.
É dizer, o problema aqui posto não é meramente teórico.
Na prática, o que se tem visto é que a ausência de intimação específica para pagamento espontâneo resulta em uma série de incidentes processuais que retardam justamente a celeridade que a lei 9.099/95 busca assegurar.
O que se apresenta, portanto, é a contradição de um modelo que, ao dispensar a intimação formal sob o argumento da simplicidade, acaba por gerar maior complexidade e alongar o tempo de satisfação do crédito.
O credor, que deveria ser beneficiado pela suposta simplificação, vê-se diante de uma demora ainda maior para receber o que lhe é devido. Ou seja, a ausência da intimação específica para pagamento, ao invés de agilizar, compromete a própria efetividade do processo.
Sob esse prisma, parece mais compatível com os princípios do devido processo legal e da boa-fé que a interpretação adotada busque conciliar os dois regimes jurídicos, construindo uma leitura sistemática e finalística.
Quando a sentença é proferida em audiência, com intimação e advertência expressa da parte vencida, aplica-se a especialidade da lei 9.099/95 e não há necessidade de nova intimação para pagamento.
Porém, quando a sentença é proferida fora da audiência, a intimação específica prevista no art. 523, caput, do CPC, torna-se indispensável, sob pena de violação ao contraditório e ao devido processo legal.
Essa leitura harmoniza a especialidade da lei dos Juizados com a disciplina geral do processo civil, garantindo tanto a efetividade quanto a regularidade formal da execução, sem sacrificar os princípios que orientam o microssistema.
Afinal, a dispensa da intimação em casos nos quais não houve ciência inequívoca da parte vencida sobre o prazo de pagamento gera insegurança jurídica, favorece a alegação de nulidades e cria divergência procedimental entre Varas e turmas recursais.
Por outro lado, a exigência de intimação expressa, nesses casos, não compromete de modo relevante a celeridade do processo e, em contrapartida, reforça a segurança do procedimento executivo.
A prática de simplesmente inserir uma advertência na publicação da sentença não atende à finalidade da norma, tampouco assegura ao vencido a chance real de cumprir a decisão voluntariamente. Ao contrário, tal expediente cria um ambiente de incerteza processual, em que a parte não sabe exatamente quando se inicia o prazo para o cumprimento, nem quais são as consequências imediatas do seu descumprimento.
Dessa forma, embora a lei 9.099/95 tenha sido concebida com base na ideia de simplificação, impõe-se uma releitura do sistema no caso de afastamento das hipóteses que justificavam a dispensa de intimação.
É preferível admitir a intimação prevista no art. 523, caput, do CPC como regra, em vez de sustentar uma ficção processual que, em última análise, retarda a satisfação do direito do credor e compromete a efetividade do microssistema dos Juizados Especiais.
A adoção dessa compreensão uniformiza a prática forense, elimina controvérsias quanto ao termo inicial dos prazos e evita incidentes desnecessários, assegurando que a execução se desenvolva de forma linear, célere e eficaz. Afinal, ao exigir a intimação prévia para pagamento nos casos em que a sentença não é proferida em audiência, o julgador preserva a coerência sistêmica e resguarda a integridade das garantias processuais que sustentam a legitimidade da tutela executiva.
A observância da intimação específica, nesse contexto, não representa um formalismo excessivo, mas requisito de validade indispensável à conformidade do processo com os princípios do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica.
Diante desse panorama, impõe-se reconhecer que a execução sem a prévia intimação do devedor, quando a sentença é publicada fora da audiência, viola a estrutura procedimental mínima necessária à formação válida da fase executiva, comprometendo a constituição regular da mora e, por consequência, a exigibilidade coercitiva do título judicial, o que acarreta nulidade insanável do procedimento.
Vanessa Kruschewsky – Advogada, atuante na área de Concessões e Infraestrutura, integrante do Fraga & Trigo Advogados.