O Supremo Tribunal Federal (STF) deu nessa quarta-feira mais um passo no andamento do processo da trama golpista. A Corte publicou o chamado acórdão, ou seja, a decisão detalhada do colegiado que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão, ao lado de mais sete réus por atentar contra as instituições democráticas. Com isso, os advogados terão até a próxima segunda-feira para apresentar os primeiros recursos para apontar omissões ou contradições na manifestação do STF. Esses questionamentos podem ser julgados já na próxima semana, segundo integrantes do tribunal, o que eleva a pressão no campo político bolsonarista, ainda dividido sobre as eleições de 2026.
O acórdão é um documento que oficializa o resultado do julgamento, reunindo os votos de todos os ministros. Além dos embargos de declaração, utilizados para esclarecer incoerências do julgamento, as defesas devem recorrer aos embargos infringentes. O entendimento do STF, no entanto, é que esse segundo tipo de recurso só é válido contra uma decisão da turma se houver dois votos pela absolvição. No caso de Bolsonaro e da maioria dos réus, só houve um, o do ministro Luiz Fux. Pelo rito considerado normal por integrantes da Corte, após o embargo de declaração, os réus ainda possuem direito a apresentar um segundo embargo do mesmo tipo.
Cumprimento de pena
Só aí, então, no caso de rejeição dos pedidos, Bolsonaro poderá começar a cumprir pena. Hoje, o ex-presidente já está em prisão domiciliar, mas a medida está relacionada a outro caso: a investigação sobre a ação de seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para coagir a Justiça brasileira a partir da articulação de sanções editadas pelo governo de Donald Trump. No caso da condenação na trama, Moraes decidirá se Bolsonaro continua preso em casa ou se cumprirá a pena em outro lugar. Algumas hipóteses são uma unidade militar ou um prédio da Polícia Federal (PF). A defesa pode pedir cumprimento em domiciliar, alegando os recorrentes problemas de saúde.
Pessoas próximas a ministros da Primeira Turma indicam que o julgamento dos embargos deve ser conduzido com rapidez. Ainda não está definido se os embargos serão incluídos na sessão virtual que começa na próxima sexta-feira — e permanece aberta por sete dias — ou se Moraes solicitará sessão extraordinária para acelerar a análise. Se Moraes tomar a iniciativa, os embargos poderiam ser analisados já na próxima terça-feira. A definição caberá ao ministro Flávio Dino, presidente do colegiado.
O acórdão publicado nessa quarta aponta Bolsonaro como líder de uma organização criminosa armada formada para restringir a atuação do Poder Judiciário e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022. Segundo o documento, a estrutura atuou entre julho de 2021 e 8 de janeiro de 2023, com participação de integrantes do então governo federal e de militares das Forças Armadas.
Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma do STF no dia 11 de setembro por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. De acordo com o documento, a organização tinha divisão de tarefas e executou uma sequência de ações executórias.
“O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do alto escalão do Governo Federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação de projeto autoritário de poder”, registra o documento.
O texto menciona que o então presidente “uniu-se a indivíduos de extrema confiança” para organizar as ações de golpe de Estado e ruptura das instituições democráticas, em coautoria com o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; e o ex-ministro da Casa Civil e Defesa Walter Braga Netto.
O acórdão destaca que o grupo se estruturou de forma estável e permanente, “utilizando a estrutura do Estado para a prática de crimes contra a democracia e o Estado de Direito”. O núcleo central da organização, segundo o STF, era formado por figuras-chave do governo Bolsonaro.
Valdemar barrado
Inelegível, Bolsonaro ainda não deu a benção a um postulante à Presidência e enfrenta dificuldades para articular, junto ao Congresso, um perdão aos crimes cometidos por ele e pelos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Depois de ter a urgência aprovada, o projeto de lei, rebatizado de PL da Dosimetria, não conseguiu um consenso, uma vez que os bolsonaristas não abrem mão de “perdão amplo”. O relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) trabalha em uma versão de texto que reduz a pena de alguns crimes, mas não conseguiu apoio para colocar em votação.
Além disso, a articulação política do PL visando a redução de penas e 2026 ganhou um novo empecilho. Nessa quarta-feira, Moraes indeferiu o pedido da defesa de Bolsonaro para receber a visita de Valdemar Costa Neto, presidente da sigla. A decisão ocorre um dia após o STF determinar a reabertura da investigação contra Valdemar por suposta participação na tentativa de golpe de Estado de 2022. O presidente do PL vinha fazendo visitas frequentes ao ex-presidente para articular o futuro político do grupo.(O Globo)
Foto: Gustavo Moreno/STF