segunda, 29 de setembro de 2025
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JOSÉ MACIEL – O AGRO BRASILEIRO DIANTE DE NOVAS INCERTEZAS

Redação - 29/09/2025 04:59

É fato amplamente reconhecido que a atividade agropecuária é habitualmente exposta às vicissitudes climáticas,  ocorrências de pragas e doenças  e às flutuações ou oscilações de preços e mercados. Temos agora um novo ingrediente no cenário: as mudanças climáticas.

Trabalhos mais recentes têm destacado queque o setor está diante de novos elementos de incertezas que podem introduzir graus adicionais de  instabilidade  e insegurança, podendo inclusive afetar em alguma medida a trajetória de crescimento e sucesso do agro nacional, incluindo o  seu desempenho exportador e no comércio exterior.

Um estudo recente do Professor Marcos Jank, do INSPER, intitulado ” O fim das ilusões: como o agro do Brasil pode navegar na nova desordem global”, de agosto último,  aborda esses fatos e demonstra preocupação com o que ele chama de “desordem global”, cenário esse que pode repercutir negativamente no futuro do nosso agronegócio, mormente com a guerra Rússia-Ucrânia e o início do governo Trump, com o seu tarifaço e sua ação imprevisível.

Jank destaca que as instituições multilaterais não funcionam mais a contento. Durante muito tempo , elas garantiram o ambiente favorável para o crescimento do agronegócio durante décadas.  A OMC , por exemplo, já não tem mais serventia como órgão de apelação e de solução de controvérsias no âmbito do comércio  mundial.

A guerra Rússia-Ucrânia gerou um cenário de insegurança na possibilidade ou capacidade de  dois atores relevantes no agro mundial, a Rússia e a Ucrânia, de se firmarem como supridores mundiais confiáveis de alimentos, mesmo com o eventual fim do conflito.

Nesse contexto, a segurança alimentar ganha indiscutível importância, particularmente em países muito populosos. Na perspectiva de Marcos Jank, a China, por exemplo, não quer , se possível , depender de comida importada. Os chineses, se mantêm autossuficientes em arroz e trigo, aumentaram a produtividade do milho e deixaram à soja a tarefa de buscar o seu suprimento em países protagonistas no agro mundial, como o Brasil. Essa estratégia tem alguns limites, pois a China tem restrição de terras com aptidão agrícola e de água. Esse raciocínio vale, a nosso juízo, para o Brasil, daí nossa insistência com a autossuficiência na nossa produção de trigo, ainda mais agora que temos o trigo tropical, criado pela EMBRAPA. Imaginem o Brasil comprando trigo, fertilizantes e petróleo  da Rússia. O Trump pode vir com suas ameaças e punições.

Em adição a esse contexto, vem o governo Trump e  aumenta as nossas preocupações, com o seu tarifaço e sua forma imprevisível de negociar o seu comércio com os demais países. Ele impõe de forma unilateral suas tarifas, depois negocia seletivamente com certas nações, pode rebaixar algumas dessas tarifas, mas não no nível que vigorava antes de seu governo, sempre com o propósito explícito de que as produções de produtos agrícolas e industriais se dê em território norte-americano. Gostaríamos de saber em que regiões dos EUA se pode plantar café, coco e manga, por exemplo, já que são culturas de clima tropical. No entanto, o trio acima foi  “agraciado” com uma tarifa de 50%. As tarifas do café colombiano e vietnamita, dois países governados por regimes de esquerda, ficaram mais baixas que aquela imposta ao nosso café.

Com o Brasil, o Trump misturou questões políticas com questões geopolíticas e comerciais, e agora acena com uma suposta ou possível conversa com Lula. O receio de alguns analistas, como Jank, é que todo o cenário de incertezas aqui referido pode “arrebentar com os mercados” para países como o Brasil. Uma coisa que preocupa Jank é que, diante de restrições de acesso ao mercado chinês, o governo norte-americano  está conversando com países como Japão , Indonésia, Vietnã e outros na busca de abertura de mercados para seus produtos. Esses e outros países formam um universo igual ao elenco de nações com as quais o Brasil também conversa com a mesma finalidade, de abertura e ampliação de mercados. Será que isso não  restringirá o nosso acesso a esses mercados asiáticos logo adiante? essa pergunta ou esse temor não tem nada de absurdo.

Nesse contexto, cabe ao Brasil acelerar sua estratégia de firmar mais acordos comerciais, conquistar novos mercados, diversificar a pauta de produtos para países onde já temos bom acesso, como a China, para incluir frutas, café, etanol, biodiesel e outros produtos em que somos competitivos. Temos ainda de identificar oportunidades de aumento de demanda de itens agropecuários em nosso próprio mercado interno, e até incentivar a ida,  por exemplo , de frigoríficos para países, como a Arábia Saudita, que  querem fazer o produto final, a exemplo de frangos, em seu território, usando grãos e rações importados do Brasil. Do ponto de vista de nossa política agrícola, ênfase total deve ser dispensada ao apoio à pesquisa e ao seguro rural.

Como se observa , o jogo da produção mundial e exportação de commodities agropecuárias não parece tão simples para o dinâmico agronegócio brasileiro.

 

Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail:  jose.macielsantos@hotmail.com

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