segunda, 08 de setembro de 2025
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A EQUAÇÃO ENTRE ISENÇÃO DE PEDÁGIO E INTERESSE PÚBLICO SUSTENTÁVEL

João Paulo - 08/09/2025 05:00 - Atualizado 08/09/2025

Por Alexandre Cunha e Vanessa Kruschewsky, advogados do Escritório Fraga&Trigo

A malha rodoviária, quando estruturada sob padrões adequados de pavimentação e sinalização, revela-se componente decisivo para o escoamento da produção, circulação de pessoas/bens, e para a prestação de serviços de forma eficiente e segura.  Trata-se, portanto, de infraestrutura essencial à vida econômica e social do país, cuja manutenção e expansão encontram no modelo de concessão a principal via de sustentação.

De um lado, evidencia-se a limitação estrutural do Poder Público em conservar e modernizar todo o seu sistema viário; de outro, surgem empresas privadas dispostas a investir recursos vultosos para garantir a continuidade e qualidade desse serviço público, mediante a contraprestação tarifária – o chamado “pedágio” – paga diretamente pelos usuários.

À primeira vista, pode parecer uma equação simples: o Estado transfere a gestão de ativos e serviços à iniciativa privada, que, em contrapartida, recebe remuneração pela boa administração e manutenção da malha rodoviária. A realidade, contudo, revela uma operação complexa, permeada por múltiplas interfaces contratuais, regulatórias, jurídicas e sociais, que exigem contínua coordenação entre agentes públicos, concessionárias, órgãos de controle e a sociedade civil.

Entre os desafios mais recorrentes ao longo dos anos destaca-se a pressão – ora por iniciativas legislativas, ora por demandas judiciais – para afastar ou mitigar a cobrança da tarifa de pedágio a determinados grupos de usuários. As justificativas variam desde a invocação de critérios de cunho social até o argumento de que moradores do entorno das praças não deveriam arcar com o pagamento, o que tensiona a sustentabilidade econômico-financeira das concessões e a universalidade do serviço público.

Embora revestidas de sensibilidade social, essas demandas precisam ser analisadas com o devido rigor jurídico, sob pena de comprometer a viabilidade do sistema concessional e os interesses da coletividade. Afinal, a tarifa não é um simples encargo, pois constitui a principal ferramenta de viabilização do modelo concessional, garantindo aportes financeiros, manutenção adequada das vias, segurança viária e atendimento ao usuário, sem descurar da modicidade.

O Código Civil, em seu art. 103, e a Constituição Federal, em seu art. 150, V, consagram expressamente a legitimidade da cobrança de pedágio em vias conservadas pelo Poder Público, desde que respeitados os princípios da legalidade, da igualdade e da modicidade. Trata-se, portanto, de um mecanismo que não apenas remunera a concessionária, mas sobretudo garante a continuidade e a qualidade de um serviço público essencial.

Por essa razão, a dispensa do pagamento da tarifa deve constituir exceção, e não regra, sendo condicionada à existência de previsão legal ou contratual expressa, acompanhada de fonte de custeio apta a salvaguardar o equilíbrio econômico-financeiro do pactoe, via de consequência, a modicidade.

A par de tais premissas, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a ilegalidade de normas que concedem isenções de pedágio sem observar tais pressupostos legais. No julgamento do ARE 1.349.285/RJ , a Corte considerou inconstitucional a Lei Estadual nº 8.170/2018 do Rio de Janeiro, que beneficiava com isenção tarifária residentes ou trabalhadores dos municípios onde situavam-se as praças.

A norma foi invalidada por violar diversos princípios constitucionais, como a isonomia, a separação dos poderes, a autonomia municipal e, especialmente, o equilíbrio econômico-financeiro dos ajustes contratuais.

Como destacou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a criação de privilégios tarifários para determinados grupos de usuários interfere indevidamente nas condições originalmente pactuadas entre o poder concedente e as concessionárias, sem apresentar qualquer fonte de compensação.

Além de gerar uma discriminação inaceitável entre os cidadãos, vedada pelo art. 19, III, da Constituição Federal, essa prática impõe um ônus indevido aos demais usuários, que acabam arcando com os custos redistribuídos de forma desigual.

Esse entendimento reforça a tese de que não cabe ao Judiciário ou ao Legislativo criar, por iniciativa própria, regimes de exceção que afetem a estrutura tarifária das concessões, sob pena de romper os fundamentos que garantem sua estabilidade, como a legalidade, a previsibilidade e a segurança jurídica.

O mesmo se aplica às tentativas de isenção baseadas na inexistência de vias alternativas, argumento igualmente afastado pelo STF na ADI 800/RS , relatada pelo ministro Teori Zavascki, ao considerar que a cobrança de pedágio não depende da existência de rota paralela gratuita, desde que a via esteja em condições adequadas de uso.

É preciso lembrar que a tarifa de pedágio, além de representar um custo de uso – como tantos outros inerentes à propriedade de veículos -, é fundamental para sustentar os aportes que garantem sinalização, serviços de atendimento ao usuário e conservação da malha viária.

Benefícios concedidos fora dos parâmetros legais ou contratuais, por mais bem-intencionados que sejam, comprometem a modicidade tarifária, desequilibram contratos e colocam em risco a universalidade e a qualidade do serviço.

Não por acaso, muitas concessionárias que, em fases iniciais do modelo, chegaram a adotar regimes de isenção como uma liberalidade – muitas vezes para suavizar a aceitação local do pedágio – hoje têm revisitado essas práticas.

A experiência demonstrou que, embora compreensíveis em seu contexto histórico, tais medidas comprometem a sustentabilidade de longo prazo dos contratos e podem gerar distorções irreparáveis na matriz econômico-financeira.

Esse movimento de revisão evidencia uma lição importante: a gestão de concessões exige não apenas sensibilidade social, mas também respeito às balizas contratuais e constitucionais. É justamente essa disciplina que garante que o modelo continue a atrair investimentos privados, ampliar a rede de infraestrutura e oferecer serviços de qualidade à população.

Portanto, qualquer discussão sobre isenção de pedágio deve ser travada dentro dos limites do contrato e das normas que regem a concessão. Ignorar esses parâmetros significa corroer os alicerces de um modelo que foi pensado justamente para garantir eficiência, continuidade e justiça no acesso à infraestrutura pública.

Para concessionárias e poder concedente, o desafio está em equilibrar demandas locais legítimas com a necessidade de preservar o interesse coletivo. É um exercício permanente de técnica, diálogo e segurança jurídica, que, cada vez mais, revela-se determinante para a solidez do setor.

 

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