sexta, 22 de agosto de 2025
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UBALDO, UGH-UGH E TRUMP – ARMANDO AVENA

Redação - 22/08/2025 08:45
Num livro intitulado Política, que ele dedicou a Glauber Rocha, João Ubaldo Ribeiro faz a alegoria de uma comunidade primitiva chamada “Ugh-Ugh”, na qual o líder era o mais forte. E mostra que, como sozinho não podia enfrentar todos os ugh-ughianos juntos, ele precisava não só ser mais forte que os outros, mas também que houvesse – a institucionalização dessa diferença – e os todos admitissem ser liderados por ele.
Essa história tem como base a ideia de que, sem criar instituições que legitimem sua força, o mais forte, seja um homem ou uma nação, não lidera ninguém, pois, a qualquer momento, os mais fracos podem se unir contra ele. E a sociedade muda quando alguém introduz uma nova tecnologia. Por exemplo, o ugh-ughiano que criou um machado de pedra ou a lança pode agora enfrentar o mais forte de longe, tornou-se mais poderoso.
A tecnologia afeta as estruturas de poder e, por isso, necessita também ser institucionalizada. A história humana é a história das instituições criadas pelo homem para ordenar a vida em sociedade e estabelecer os limites de cada um. E é provável que a institucionalização seja o reflexo do modo de pensar dos vencedores, como diz Ubaldo.
O historiador israelense Yuval Harari, que esteve no Brasil semana passada, falou sobre o mundo de hoje e disse que a ordem liberal global, que vem dominando o mundo por décadas, comandada pelo Ocidente e liderada, após a 2ª Guerra Mundial, pelos Estados Unidos, está em xeque. O problema é que essa ordem mundial, que já vinha sendo questionada no Oriente e na Ásia, passou a ser impugnada no seio dela mesma, por vários membros. E desde 2018, por seu membro mais forte, os Estados Unidos.
Harari lembra que líderes como Donald Trump e outros estão destruindo os fundamentos da ordem global. Esse tipo de líder não acredita em organismos internacionais, tampouco em tribunais de justiça, não crê nas leis do seu país, e muito menos nas leis dos outros países, e vale-se apenas da força para impor sua vontade.
Quem age assim, diz Harari, quebra o tabu da conquista imperial: um país não pode simplesmente invadir e conquistar outro só porque é mais poderoso. Mas Trump não crê nesse tabu. Ele acha que Putin deve ter direitos aos territórios ocupados da Ucrânia e que Netanyahu pode tomar Gaza e transformá-la em uma Riviera. Aliás, indagado por que impôs tarifas de 50% ao Brasil, ele respondeu: porque “posso fazer isso”.
O problema, diz Harari, é que, ao se colocar frontalmente contra a ordem liberal global, Trump precisa apresentar uma nova ordem para colocar no lugar ou será, como está agora, o caos. Se a nova ordem de Trump for o poder total, ou a divisão do mundo entre dois ou três ditadores, isso pode resultar, como em Ugh-Ugh, em nações se agrupando para enfrentá-lo. Ou, se eles forem loucos o bastante, na Terra devastada pelas bombas nucleares.
Publicado no jornal A Tarde em 22/08/2025

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