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ADARY OLIVEIRA – A RETOMADA DE UMA FÁBRICA

Redação - 02/03/2020 09:33

O retorno da operação de uma unidade industrial não é tarefa simples. Além do mais é revestida de complicações e contratempos difíceis de se imaginar. Não se trata apenas da recuperação dos empregos perdidos, dos tributos que o estado deixa de arrecadar de uma hora para outra, dos fornecedores de bens e serviços com seus contratos interrompidos inesperadamente, dos bancos ameaçados de não receberem seus créditos, dos clientes que passam a ser obrigados a comprar os produtos não se sabe aonde, da comunidade que se vê diminuído um ativo importante do seu dia a dia, ou mesmo dos seus proprietários, que deixam de ter lucros e acordam com um sonho interrompido sem a realização que tanto desejavam.

Como alguém disposto a retomar as atividades de uma fábrica paralisada poderia resolver tantos problemas? Como fazer voltar a funcionar um motor ou um compressor travado em decorrência da paralização, ou de azeitar reatores, centrífugas, ventiladores e bombas temporariamente imobilizados? Como promovero funcionamento de todas as instalações sem criar problemas de natureza ecológica, garantindo um ambiente de trabalho higiênico, seguro, confortável e sadio?Sabe-se que tudo isso não é simples nem trivial. Além do mais, não é fácil superar as adversidades decorrentes de complexas operações, sofisticadas tecnologias e balanceamento dos fluxos de matérias primas, materiais intermediários e inibidoresdas reações.

Mas o que predomina na decisão de interromper uma operação de manufatura numaregião onde a carência de empregos predomina, aonde o fortalecimento da economia exige a abertura de novas fábricas e não o contrário? Existem muitos motivos para isso. Um deles é o da inviabilidade econômica por apresentar custos operacionais superiores à receita, determinando prejuízo. Muito comum a obsolescência tecnológica que torna o processo mais dispendioso, ou por ter o produto fabricado caído em desuso, sendo substituído por outro mais eficiente ou mais barato. Há casos de mineradoras que paralisam suas atividades por exaustão da reserva mineral, por estar agredindo o meio ambiente ou trazendo danos à vida das pessoas,sendo por isso obrigadas a cerrar suas portas. Embora seja raro, não se pode deixar de citar o caso de unidades paralisadas com o objetivo de retirar do mercado um produto concorrente.

Em situações extremas, seria melhor que certas fábricas nunca tivessem existido, como aquelas que fabricam armas, buscando a sobrevivência na manufatura de instrumentos de destruição. Mas outras, como as fábricas de vida, que produzem alimentos ou sintetizam fertilizantes para as plantações, caçando subsistência na usinagem de ingredientes que protegem os seres vivos, deveriam ser criadas e recriadas. Estas deveriam ser preservadas a todo custo, aquelas paralisadas sempre.

Existem fábricas que nunca deveriam ser paralisadas. A análise da interrupção não deve se restringir aos aspectos econômicos, mas também à contribuição que está embutida na vida comunitária. Fábrica de fertilizantes, como as que recentemente foram fechadas na Bahia, em Sergipe e no Paraná, que operavam o milagre de retirar nitrogênio do ar para fazer ureia, nunca poderiam ser fechadas por ninguém, muito menos pelo governo. Sempre recomendei a meus alunos de administração e economia para não colocarem o dinheiro na frente das outras coisas.Costumava repetir uma frase que ouvi de um publicitário, no seu discurso de paraninfia de uma das turmas de administração, quando disse: “Michelangelo não pintou a Capela Sistina por dinheiro”.Continuo recomendando sem pestanejar.

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Peço permissão aos meus leitores para incluir nestas últimas linhas uma homenagem ao professor Antônio Celso Spínola Costa, professor de química da Universidade Federal da Bahia que nos deixou na semana passada. Celso, além de excelente professor,orientava profissionalmente seus alunos. Faço parte de uma geração de engenheiros químicos que eternamente serão agradecidos ao saudoso mestre.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

 

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