O recente embate entre franqueados e a franqueadora de uma das maiores redes do país reacendeu um debate necessário: afinal, quantos empreendedores compreendem verdadeiramente o que significa assinar um contrato de franquia? As denúncias ainda estão sendo apuradas e não cabe aqui qualquer juízo de valor sobre o caso em si. Mas o episódio serve como ponto de partida para uma reflexão crítica sobre a estrutura jurídica, os riscos e as responsabilidades envolvidas nesse tipo de relação comercial. Franquia não é sinônimo de independência com selo de marca. É, antes de tudo, adesão a um sistema. Um sistema que já vem definido, com regras próprias, e um modelo de operação padronizado.
É justamente essa padronização que permite escalar a operação, e também o que limita a autonomia de quem entra. Essa é a lógica do franchising: o franqueado compra acesso, mas também aceita restrições. No papel, tudo isso está muito claro, ou deveria estar. A Lei nº 13.966/2019, que rege o setor, exige a entrega da Circular de Oferta de Franquia (COF) com antecedência mínima de 10 dias antes da assinatura do contrato. Esse documento é decisivo. Nele constam projeções financeiras, taxa de franquia, royalties, regras de fornecimento, obrigações contratuais e, inclusive, a relação de ex-franqueados. É a primeira oportunidade concreta de o candidato entender o que o espera, e conversar com quem já passou pela experiência.
No entanto, o que se vê na prática é um número ainda expressivo de empreendedores que assinam contratos sem ler ou compreender plenamente seus termos. Não por descuido, necessariamente, mas por excesso de otimismo ou desconhecimento técnico. A confiança na marca muitas vezes substitui a cautela jurídica. E, nesse cenário, a frustração não é rara, especialmente quando surgem cláusulas de reajuste unilateral de preços, metas obrigatórias, fornecimento exclusivo ou política de crédito centralizada.
O setor de franquias segue como uma das engrenagens mais relevantes do empreendedorismo brasileiro, com um crescimento de 13,5% no faturamento em 2024, chegando a R$ 273,083 bilhões, segundo dados da ABF. Mas o mesmo relatório indica uma estagnação na criação de novas redes e unidades licenciadas. Isso sugere um amadurecimento, ou, talvez, uma freada na expansão por parte de marcas e empreendedores mais atentos às dificuldades do modelo. É nesse ponto que o debate ganha profundidade. A franqueadora tem o direito (e o dever) de proteger sua marca e garantir a uniformidade da operação. Já o franqueado, mesmo arcando com o risco financeiro do negócio, precisa respeitar as diretrizes contratuais. Quando essa equação se desequilibra, seja por excesso de imposição de um lado ou por expectativas desalinhadas do outro, surgem os conflitos.
Portanto, mais do que demonizar o modelo, é preciso reforçar a necessidade de análise técnica, assessoria jurídica e planejamento estratégico antes da assinatura. Cláusulas como exclusividade territorial, rescisão contratual, penalidades, política de fornecimento e regras de crédito devem ser lidas com atenção redobrada. Afinal, depois que o contrato está em vigor, não há espaço para improviso: há compromissos. Franquia pode ser um excelente caminho de crescimento, desde que a decisão seja informada, consciente e amparada por quem entende do assunto. Porque o que está em jogo não é só um ponto comercial, é uma relação contratual de longo prazo. E como todo bom contrato, ela deve proteger os dois lados, em vez de servir apenas a um.
Bruna Puga é sócia do escritório BP/F Advogados