As ameaças feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não devem impedir que os países do Brics avancem em relações comerciais que priorizem as moedas de cada país ao invés do dólar. Esta é a avaliação de especialistas entrevistados pela Agência Brasil.
Após a divulgação da Declaração Final da 17ª Reunião de Cúpula, a Declaração do Rio de Janeiro, na qual os membros do Brics defendem uma ordem mundial “mais justa”, Trump ameaçou taxas extras a produtos de países que se alinhem ao grupo, formado por 11 nações, entre elas Brasil Rússia Índia, China e África do Sul. A ameaça foi publicada no perfil de Trump na rede Truth Social.
“Eu diria que ele não vai ser bem-sucedido”, defende o professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Belluzzo. Para ele, os países sentem o impacto do uso do dólar como moeda base do comércio global, na valorização e desvalorização constante de suas moedas, e buscam reduzir os impactos nas próprias economias.
Segundo Belluzzo, essa busca não é algo novo. As negociações bilaterais, ou seja, entre dois países, que priorizem moedas locais já estão em curso e não devem regredir.
“Os países do Brics não estão buscando a criação de uma outra moeda reserva. Eles estão, na verdade, tentando estabelecer relações em suas moedas. São os acordos bilaterais, como a China e o Brasil, a China e a Índia, etc. São acordos bilaterais que escapam às determinações do dólar”, explica.
“E assim você vai criando uma zona monetária em que as moedas nacionais é que funcionam como meios de pagamento”.
O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Jorge Ramalho da Rocha concorda que, por enquanto, as ameaças de Trump não devem ter impacto.
“O atual presidente americano gosta de vociferar ameaças, gerando desconfianças que em nada contribuem para o enfrentamento dos verdadeiros problemas globais. Seu gosto por taxação só trará mais prejuízo à sua própria população e estimulará os demais países a construir agendas que dependam cada vez menos dos EUA.”
De acordo com Rocha, as ações de Trump apenas aceleram buscas por alternativas ao dólar. “No Brics a discussão sobre o recurso a moedas locais e arranjos monetários contingentes é antiga e visa sobretudo à redução de custos de transação. A redução do uso do dólar estadunidense como moeda de troca e reserva de valor está em curso lentamente, em parte devido às inseguranças criadas pelo governo dos EUA em relação a sua economia. Não se vislumbra uma ‘desdolarização’, mas a redução do uso do dólar, substituído por outras moedas, em especial o Euro, e por arranjos baseados em moedas digitais de bancos centrais. O comportamento do atual governo dos EUA apenas acelera esse processo.”
Proteção
O diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), André Roncaglia, considera importante a tentativa de formar relações bilaterais entre sistemas de pagamentos nacionais.
“A ideia é justamente criar uma infraestrutura monetária que permita aos países diminuírem os custos de transação nas operações comerciais e gerar um aprendizado para os países menores, que têm sistemas de pagamentos menos sofisticados, para que eles também vão construindo os seus.”
De acordo com Roncaglia, o fortalecimento dessa rede pode inclusive proteger os países no caso de uma crise do dólar ou do euro.
“No caso de um choque sistêmico em que a hegemonia do dólar e do euro se vejam fragilizadas e o mundo se veja numa situação, vamos dizer assim, sem um norte claro, você ter essa infraestrutura oferece algo muito importante para os países que é a resiliência. Você não ter que passar pelo circuito do dólar em uma situação de crise da moeda americana, te permite proteger a sua economia”.
Fonte: Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil