quinta, 22 de maio de 2025
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ARMANDO AVENA – A VALE NÃO QUER A BAMIN E NEM O CORREDOR FICO/FIOL

Redação - 22/05/2025 05:00 - Atualizado 22/05/2025

A informação divulgada na imprensa de que o consórcio liderado pela Vale com o grupo mineiro Cedro Participações e a BNDESPar fez as contas e não viu retorno no projeto da Bahia Mineração não tem sustentação e parece ser uma narrativa induzida pela mineradora em prol dos seus interesses.

Não foram divulgados, por exemplo, os parâmetros desse cálculo, inclusive o preço do ferro, o que desacredita afirmações peremptórias do tipo: “a produção da Bamin teria de ser na faixa de 40 milhões de toneladas por ano devido ao elevado investimento”.

Não parece crível. O projeto da Bamin é de porte relevante, com capacidade de produção de 26 milhões de toneladas de minério com alto teor de ferro (de 65,5% a 68%), e gera um produto de alta qualidade, demandado pela indústria do aço, pois as siderúrgicas usam em seus altos-fornos, para reduzir emissões de dióxido de carbono (CO₂), uma demanda cada vez maior no setor. O produto da Bamin tem pouca oferta e mercado garantido. Há vários projetos semelhantes em operação no mesmo nível de produção, a exemplo do da Anglo American e da CSN Mineração, ambos em Minas Gerais.

Na verdade, a disseminação na imprensa da narrativa de que a Bamin não seria rentável parece ser uma estratégia da Vale, um movimento cujo objetivo é responder ao governo federal, que pressiona por sua entrada no negócio de forma integral, incluindo no projeto a conclusão do trecho I da Ferrovia Oeste Leste e na construção do Porto Sul.

O problema é que a Vale, que até poderia assumir a Bamin, não quer de maneira nenhuma a construção do Porto Sul e muito menos do corredor ferroviário Fico/Fiol,  com o entroncamento da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste com a Ferrovia Oeste Leste. A Fico/Fiol ameaçaria o monopólio logístico ferroviário da Vale que, controlando diretamente ou por meio da VLI os principais corredores ferroviários do Sudeste e Centro-Oeste, domina quase totalmente a logística de exportação mineral e agrícola do país. A Fiol ameaça esse monopólio, ao conectar o interior do Brasil ao litoral da Bahia fora da malha ferroviária controlada pela Vale. E a conexão com a Fico e com a Norte-Sul quebraria esse monopólio, aumentando a possibilidade de conexão ao Arco Norte (onde a Vale também é monopólica com a EFC – Carajás/São Luís) e tornando viável a construção de um corredor bioceânico alternativo, que poderia chegar ao Porto de Chancay, no Peru.

A FIOL descentraliza o eixo logístico que hoje converge para os portos dominados pela Vale e outras grandes mineradoras no Sudeste e Norte e assim abre caminho para outros players logísticos e mineradores menores. E, no longo prazo, pode atrair investimentos para novas malhas ferroviárias transcontinentais com exportações para o Pacífico, fora da esfera da Vale.

A mineradora não quer a concretização da Fiol e muito menos do Porto Sul, pois isso representaria a perda de exclusividade ou a diluição da dependência de suas ferrovias (EFVM, EFC, FCA) e de seus portos (Ponta da Madeira, Tubarão), ameaçando sua receita e o poder de barganha com o Estado e com setores como o agronegócio.

A mineradora Vale se move apenas pelo lucro, não entende que empresas que exploram bens públicos, como o subsolo brasileiro, e operam patrimônio natural não renovável, têm uma função social, como está previsto no artigo 173 da Constituição brasileira. Aliás, isso está bem demonstrado em episódios como o de Mariana e Brumadinho e, no caso da FCA – Ferrovia Centro-Atlântica, com o abandono de mais de 3 mil quilômetros de ferrovia.

A Bamin é rentável e estratégica, o Porto Sul já tem financiamento de R$ 4,6 bilhões do Fundo da Marinha Mercante (FMM), a Fiol está no PAC e terá financiamentos do BNDES. Infelizmente, a Vale, que se preocupa apenas em manter a centralidade no Sudeste e Norte das exportações brasileiras – e a dependência de produtores em relação à sua malha ferroviária –  não percebe sequer que poderia ter, com a Fiol, um embrião da rota bioceânica que mais cedo ou mais tarde ligará o Atlântico ao Pacífico.

                 A FCA E O RISCO/TRAGÉDIA DA VALE

Países como Noruega, Canadá e Austrália impõem regras severas a empresas que exploram recursos naturais, a exemplo do pagamento de royalties mais altos, financiamento para fundos soberanos, compartilhamento de tecnologia e geração de desenvolvimento local. Nesse tipo de empresas, a função social não é opcional — é uma obrigação constitucional. Assim é pago o preço pelos danos sociais, ambientais e logísticos inerentes à sua operação. No Brasil é o contrário. A Vale abandonou e degradou o corredor ferroviário Minas/Bahia e agora quer devolver à União. Isso sem contar a convivência com o risco/tragédia, com os trens da VLI disputando as ruas de duas cidades da Bahia com a população.

Publicado no jornal A Tarde em 22/05/2025

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