Tudo que dá para chorar dá para rir e por isso devemos analisar com cautela a aplicação das medidas norte-americanas para o comércio mundial, pois elas podem criar diversas oportunidades para o Brasil. Muitos economistas têm se dedicado a identificar as vantagens que poderão advir com a nova ordem mundial e aqui vão cinco que acredito sejam possuidoras de alta probabilidade de acontecer.
O Brasil tem se saído bem no agronegócio e é um dos maiores produtores e exportadores de commodities agrícolas, como soja, milho e carne bovina sendo os Estados Unidos um de seus principais concorrentes. Os países importadores podem preferir importar do Brasil como forma de retaliar os EUA. A China, por exemplo, já nunciou que vai reduzir as importações de vários produtos de lá abrindo espaço para o Brasil. Da mesma forma, se as medidas norte-americanas resultarem em tarifas para produtos de países concorrentes, o Brasil poderá se beneficiar ao aumentar suas exportações de alguns produtos para os Estados Unidos.
O Brasil é exportador de uma gama enorme de produtos minerais com destaque para o ferro pela sua qualidade e elevado teor dos concentrados exportados. A China é o maior produtor de aço tendo ultrapassado a 1 bilhão de toneladas em 2024, sendo o maior supridor dos Estados Unidos. A capacidade de produção dos EUA é de apenas 80 milhões e eles continuarão a ser um grande importador. O Brasil poderá aumentar a manufatura do aço para exportação. Quanto aos recursos minerais, se a indústria norte-americana enfrentar restrições ou tarifas sobre minérios de outros países, isso poderá abrir espaço para maior exportação brasileira desses produtos, levando a um aumento tanto de receita quanto de investimentos no setor.
A energia renovável é um outro item importante para o Brasil. Com o crescente foco global em energias renováveis, o Brasil, que já é um líder em energia hidrelétrica e tem um forte potencial em energia solar e eólica, pode se beneficiar da demanda crescente por tecnologias limpas nos Estados Unidos e em outros mercados. Isso pode levar a parcerias e investimentos para a produção de hidrogênio verde e amônia verde e de seus derivados, importantíssimos para indústria química mundial.
Embora à primeira vista seja mais difícil de acreditar, mas o Brasil tem um ecossistema de startups em crescimento, especialmente em áreas como fintech e agritech. Medidas que dificultem a entrada de empresas de outros países no mercado norte-americano podem permitir que as startups brasileiras se posicionem como fornecedoras de soluções inovadoras para o mercado global, especialmente nos setores de tecnologia e serviços.
Desde que foi implantado o Pró Álcool o Brasil ganhou experiência no uso do etanol como combustível automotivo e os projetos que estão sendo implantados, de cana-de-açúcar com irrigação subterrânea, por gotejamento, de altíssima produtividade, abre espaço para aumento da produção. A produção de combustíveis renováveis também poderá crescer com instalações de unidades industriais capazes de transformar qualquer tipo de bagaço celulósico, via hidrolise enzimática, em álcool etílico. Também, a produção de etanol por fermentação da inulina do sisal (agave), liderada pela Shell, é uma inovação que tem tudo para dar certo. Não restam dúvidas de que ainda não foi dada solução para a geração de energia necessária para o carregamento das baterias dos carros elétricos, como também o que fazer para descartar volume grande de baterias pesando 4.500 kg. Nesse particular o uso do etanol leva vantagem. Some-se a isso a crescente produção de diesel verde, combustível automotivo fabricado com óleo vegetal que se verifica no país, e SAF, combustível para aviões, destacando-se o uso do óleo da macaúba como matéria prima, escolhido pela sua alta produtividade agrícola e possibilidade de cultivo em terras semiáridas da região Nordeste. O projeto da Acelen é outra inovação carregada de esperanças.
Esses são apenas alguns exemplos de como o Brasil pode se beneficiar das medidas norte-americanas para o comércio mundial. O aproveitamento dessas oportunidades dependerá da estratégia e da capacidade do país de se adaptar às novas dinâmicas do mercado global. Programas governamentais poderão definir as principais diretrizes estratégicas e as linhas de financiamento dos bancos oficiais para sua execução. Estímulos para a iniciativa privada, incluindo a atração de novos empresários para ingressarem nesse setor da economia, poderão fortalecer a economia nacional e somar novas possibilidades de promoção de seu desenvolvimento.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]