domingo, 18 de maio de 2025
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JOSÉ MACIEL – REFLEXÕES SOBRE ALGUNS TEMAS DO AGRONEGÓCIO

Redação - 05/05/2025 08:34

O debate acerca da inflação de alimentos no período recente ensejou um esforço de sistematização dos principais fatores  que afetam a inflação do setor de modo geral, e no Brasil em particular . Fatores climáticos, sazonais , restrição de oferta interna e mundial, ciclo pecuário , produtos substitutos,  bienalidade de certos produtos, patologias de plantas e animais aqui e no exterior , produtos com altos coeficientes de importação, e outros, foram identificados  como grandes causadores do processo inflacionário no plano setorial. Parece-nos que faltou um esforço de detectar a eventual influência de aumentos ou tendência de aumento de demanda de alguns alimentos, que poderiam estar pressionando os preços para cima. Em alguns desses casos, além das pressões sobre os preços, o mercado pode estar enviando um sinal de que a produção deve ser estimulada e aumentada, subsidiando decisões do setor privado e do governo. O professor Xico Graziano, da FGV-SP,  exemplifica o que estamos dizendo .

Segundo Graziano, todos os cenários econômicos indicavam, há algum tempo,  que a pressão de demanda levaria a desequilíbrios no mercado de alguns produtos agropecuários, apontando para restrições de oferta interna e mundial. Os casos do café e da carne eram os mais conhecidos. No café, o consumo interno e mundial vem crescendo seguidamente, baseado principalmente em dois fatores mercadológicos: a melhoria da qualidade do grão e do processo de elaboração e distribuição, e a comprovação de suas vantagens medicinais. Ainda conforme esse autor, o sonho do cafeicultor brasileiro “era ver uma xícara de café substituindo o chá na mesa das famílias chinesas”. O sonho começou a se tornar realidade nos últimos 15 anos.

Com efeito, o consumo chinês de café passou de 300 mil sacas para 6 milhões de sacas anuais, um crescimento exponencial. Metade das importações chinesas são de café brasileiro. A China ultrapassou os EUA em número de cafeterias de marca, com 49.600 lojas vendendo café de qualidade, ante 42.800  lojas no mercado norte-americano. O café caiu nas graças dos chineses, e, segundo Graziano, o recado ao Brasil e a outros países produtores é claro: vai aumentar a demanda, portanto , “produzam mais café”. Os agentes privados e o governo brasileiro têm de perceber essa tendência e tirar proveito dessa valiosa informação, aumentando  a nossa produção.

O cacau é outro exemplo  com aumento exponencial de preços internacionais, passando de 4 mil dólares a tonelada para mais de  10 mil dólares a tonelada, a partir do segundo semestre do ano passado, com o pico sendo atingido em dezembro último, quando a tonelada passou ser negociada por mais de 11,8 mil dólares. O fato tem  sido atribuído a  problemas de produção nos dois principais países produtores, Costa do Marfim e Gana, que, juntos, perfazem mais de 60% da produção mundial.  Fatores climáticos e doenças nas plantações tem sido elencados como responsáveis pelas quedas na produção nos últimos ciclos de  produção.

Os preços atuais giram em torno de 9 mil dólares a tonelada na Bolsa de Nova York e de 800 reais por arroba na Bahia. Alguns analistas especulam que os preços devem se reduzir este ano  por conta da previsão de safras melhores nos dois países citados acima, mas não devem  voltar aos patamares históricos de 4 mil dólares a tonelada. A conferir. O cenário no Brasil vem apontando para uma melhora dos tratos culturais e adubação nas plantações já implantadas, com aumentos de produtividade por hectare e maiores receitas para os produtores da lavoura, mas não se espera até aqui que grandes planos de renovação de cacauais entrem  em vigor, exceto em áreas isoladas do Oeste baiano e dos cerrados, e no vale do Paraguaçu, com a produção sendo conduzida com irrigação.

Finalmente, sem a pretensão de esgotar o leque de opções a serem analisadas, chegamos ao trigo, no qual temos tradição de importar para suprir parte do nosso consumo, sendo o produto e seus derivados altamente sensível à variação do câmbio, tendo, portanto, grande  potencial para  provocar inflação.

Aqui,  a nossa tese é de que acontecimentos recentes aconselham a adoção da meta de alcançar a  autossuficiência no abastecimento interno nos próximos 5 anos. As razões abaixo justificam  a tese por nós defendida. Todos sabem da importância estratégica do produto para a nossa segurança alimentar.

Como se sabe, as fontes tradicionais de suprimento, como Rússia, Ucrânia, Argentina, Austrália e outras nações, têm sido pressionadas para abastecimento e formação de estoques de vários países, especialmente, com a instabilidade da produção da Austrália (principalmente por razões climáticas), e após a guerra Ucrânia-Rússia e as tarifas do governo Trump e a guerra comercial com a China. Nesses termos, China e Indonésia, por exemplo, vêm recorrendo a importações da Argentina e de outras fontes. Os países europeus diminuíram importações da Rússia e da Ucrânia, aqui por conta da interrupção das rotas do Mar Negro, por onde saem as exportações ucranianas, pelos russos. Nessa redefinição de fontes de suprimento,

O Brasil pode não ter grandes disponibilidades de trigo argentino para importar e tem também de buscar outros fornecedores, o que pode causar incertezas no seu abastecimento no médio prazo. Nesse contexto, é mais prudente decidir pela autossuficiência a médio prazo. Agora, temos o “trigo tropical” obtido em pesquisas da EMBRAPA, que pode ser plantado no Centro-oeste  e nos cerrados da Bahia, com produtividade em torno de 6 toneladas por hectare, o dobro média brasileira, e sem desmatar , já que o seu plantio vem em sucessão à lavoura de soja, como plantio de inverno. A Bahia dispões de  vastas áreas irrigadas por pivôs centrais que podem ser utilizadas nesse esforço de aumento de nossa produção de trigo.

Como afirma o ex-Embaixador Rubens Barbosa, agora na presidência da ABITRIGO-Associação Brasileira das Indústrias de Trigo, “o Brasil não pode ficar dependendo de 60% do consumo ser de importação e, desses 60%, 85% vêm de um só país, a Argentina” (ver “Trigo tropical pode ajudar  Brasil a reduzir dependência do exterior, CNN,  26 DE SETEMBRO DE 2022) .Portanto, razões de segurança alimentar, de segurança no fornecimento do produto, recomendam  o caminho da autossuficiência a médio prazo. Rubens Barbosa é um dos mais credenciados analistas brasileiros do setor tritícola, uma voz que merece ser respeitada. Outros produtos também devem ser analisados, mas deixaremos para abordar numa outra oportunidade.

 

(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP.  E-MAIL:  jose.macielsantos@hotmail. com

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