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IL GATTOPARDO – ARMANDO AVENA

Redação - 21/03/2025 09:32

Don Fabrizio Corbera, príncipe de Salina, é um aristocrata culto e refinado e sabe que seu poder e autoridade tem origem no direito divino e, talvez por isso, tenha sempre ao seu lado o padre Pirrone. Sabe também que a aristocracia está em decadência, que outra classe social almeja o poder e que ele está preso em uma franja da História, um momento no qual uma nova ordem está emergindo e a antiga ainda não se foi.

Por isso, admite que o sobrinho deixe seu palácio para juntar-se aos camisas vermelhas, mil homens que, liderados por Giuseppe Garibaldi, vão conquistar o Reino das Duas Sicílias e depois entregá-lo ao rei da Sardenha, Vittorio Emanuele II, que vai unificar a Itália.  Mas indaga ao sobrinho, um jovem aristocrata falido: Por que vai se envolver nisso? A resposta de Tancredi tornou-se famosa na literatura e na política: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.

Este é o pano de fundo do belo romance de Giuseppe Lampedusa, O Leopardo, baseado na história de seu bisavô, o príncipe de Lampedusa.

Voltei a ele mais uma vez por causa da série da Netflix, Il Gattopardo, como era chamado o Príncipe de Salina. Alguém já disse que um livro é como um banquete, enquanto os filmes são fastfood, mas nem sempre acredito nisso, e o belíssimo filme de Luchino Visconti, O Leopardo, é uma comprovação. A série da Netflix, ainda que menos literária, também conta a história com galhardia. Claro, o Tancredi de Visconti é Alain Delon, Angélica está no corpo de Claudia Cardinale e o Príncipe é ninguém menos que Burt Lancaster. Mas a série tem seus encantos e ouso dizer que Deva Cassel faz uma Angélica mais bela do que La Cardinale.

O Leopardo é uma história sobre família e, tanto o filme quanto a série, elevam a figura do pai e do príncipe aristocrático, sem destacar a exploração e a miséria dos camponeses e do povo sob o seu jugo. Karl Marx, em o 18 de Brumário de Luís Bonaparte, dizia o que podia ser uma epígrafe do filme: “A aristocracia era honrada e franca; a burguesia é hipócrita e dissimulada.”

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A história mostra que os momentos críticos nos quais uma ordem social e econômica está sendo substituída por outra fazem emergir a violência, a corrupção, a hipocrisia e o ódio. E tanto a Revolução Francesa, que implanta o domínio da burguesia, quanto a Revolução Russa de 1917, na qual o proletariado assume o poder, criaram milhares de Calogeros Sedara.

Mas o Príncipe de Salina é um siciliano, não crê que a Sicília, que por 25 séculos foi dominada por gregos, romanos, árabes, normandos, espanhóis e outros, possa mudar: “Sempre estivemos prontos a seguir quem nos dominasse, mas sem jamais nos transformar”, diz ele, resiliente. E conclui: “Os sicilianos nunca querem melhorar, pois acreditam que já são perfeitos; sua vaidade é maior que sua miséria”.

Publicado no jornal A Tarde em 21/03/2025

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