quarta, 29 de janeiro de 2025
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JOSÉ MACIEL – O GOVERNO TRUMP E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Redação - 27/01/2025 05:05
Durante toda a campanha eleitoral, o agora presidente Donald Trump  enfatizou a sua disposição de colocar em vigor uma  política  de deportação em massa de imigrantes ilegais, e, no plano econômico, de impor tarifas de importações para alguns países. Falava-se que inicialmente a tônica seria uma guerra comercial com a China, com a adoção de tarifas de até 60% sobre produtos chineses.
Por conta das questões ligadas à imigração, o Canadá e principalmente o México também teriam de lidar com alíquotas  de importação  também relativamente elevadas , podendo atingir um valor de até 25% para os seus produtos entrarem no mercado dos EUA.
Outros países também estariam na mira das restrições comerciais norte-americanas e até o Brasil não estaria a salvo dessas restrições, sobretudo por fazer parte dos BRICS, grupo de países que têm cogitado instituir um sistema de comércio entre os seus membros sem estar atrelado ao dólar.
Essas medidas ainda não foram adotadas e nos bastidores do Foro de Davos, na Suíça, circularam  rumores de que os EUA poderiam recuar em suas intenções com a China, e, no limite, poderiam até firmar um acordo comercial com o governo chinês.
De concreto, temos a saída dos Estados Unidos da OMS e do Acordo do Clima, de Paris. Nesse último caso, as consequências podem incluir um clima menos animador  para   projetos e iniciativas no âmbito da transição energética, setores nos quais o Brasil detém vantagens indiscutíveis e concentra parte de suas apostas.
Na verdade, alguns analistas renomados, como o professor Marcos Jank, do INSPER-SP,  admitem pelo menos três cenários possíveis na mesa do governo Trump. No primeiro cenário, a ideia é aumentar rapidamente as tarifas de importação sobre países específicos, , como México, Canadá e China, a exemplo do  que ocorreu em 2017, no início do primeiro mandato do atual presidente norte-americano. Como se sabe, naquele ano, o governo chinês promoveu uma retaliação contra a entrada de produtos americanos em seus mercados, o que abriu espaço para o Brasil aumentar suas exportações para a China, principalmente de soja.
A segunda alternativa residiria na adoção de princípios de reciprocidade, com medidas restritivas de comércio  para países e produtos  específicos, em desacordo com as regras do comércio mundial, para as quais, segundo Marcos Jank, Trump ‘dá de ombros”.  Uma terceira possibilidade consistiria numa ênfase do governo Trump   em negociações bilaterais com determinados parceiros comerciais, ao invés de aumentar as tarifas de forma generalizada.
Uma guerra comercial com a China pode, a exemplo do que ocorreu no primeiro governo Trump,  favorecer algumas exportações brasileiras , mas a imposição de tarifas a outros países, pode limitar esses ganhos, pois esses países , agora sujeitos às restrições comerciais americanas , teriam de procurar outros mercados para escoar os
seus produtos (inclusive o mercado chinês), desencadeando assim uma concorrência com o Brasil nesses mercados. Ou seja, a adoção generalizada de tarifas pode beneficiar a venda de produtos brasileiros para a China , mas em grau inferior ao verificado a partir de 2017.
O ex-Embaixador Rubens Barbosa, que já chefiou nossa missão diplomática em Washington, e hoje  atuando à frente da Associação Brasileira das Indústrias de Trigo-ABITRIGO, não vê no momento grandes impactos para o agro brasileiro em decorrência das ações do governo de Donald Trump. “Não antecipo nada de grave para o Brasil “, diz o experiente diplomata. Por seu turno, o Professor Marcos Jank admite que o Brasil pode ser impactado de  forma secundária, a depender da forma com que os EUA tratarão a China.
Não obstante as posições desses dois credenciados analistas, o Brasil está em vias de colher nesse primeiro semestre  de 2025   uma supersafra de grãos estimada em 322 milhões de toneladas de grãos (10% a mais que o volume colhido em 2024),o  que pode ensejar pela primeira vez uma posição de liderança nas exportações  agrícolas  mundiais, ultrapassando aa histórica posição de liderança dos EUA nesse  quesito.
Diante de tal possibilidade , pode o governo norte-americano adotar uma posição de tentar impedir esse possível liderança brasileira nas exportações em nível mundial, seja  criando restrições de acesso de produtos brasileiros ao seu mercado, seja criando dificuldades na concorrência com o Brasil em terceiros mercados, injetando, por exemplo , mais subsídios aos produtos e produtores norte-americanos. Portanto, o jogo no mercado internacional de produtos agrícolas pode não ser tão simples conforme algumas análises podem sugerir.
No plano do comércio bilateral com os EUA,  o Brasil importa produtos de maior valor agregado  dos EUA, e exporta uma pauta concentrada em alguns produtos, como café, celulose, carne bovina, suco de laranja e açúcar, dentre outros produtos. A  ideia dos negociadores brasileiros é conseguir cotas maiores de certos produtos com tarifas de importação reduzidas ou zeradas, como açúcar e carne bovina. Os americanos ´por sua vez, querem baixar a tarifa de importação do etanol exportado para o Brasil. São negociações possíveis em um cenário próximo.
Então, nesse plano do comércio bilateral, parece haver espaço para negociar. Temos de ter oresente que os EUA são o segundo parceiro do Brasil no agronegócio, detendo pouco mais de 7% de nossas exportações agrícolas. Não dá para desprezar, mas estamos longe das cifras envolvidas em nossas vendas para a China, que participam comprando 35% das nossas exportações setoriais. Finalmente, seguindo o conselho sábio do Embaixador Rubens Barbosa, o Brasil tem que adotar uma postura pragmática, não ideológica, no comércio exterior , na defesa dos seus interesses , sem alinhamento automático com ninguém.
(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP.  E-mail:  [email protected]

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