A emoção tomou conta de soteropolitanos e turistas que acompanharam a chegada da procissão em homenagem ao Senhor do Bonfim, na tarde desta quinta-feira (16). A imagem peregrina, feita em fibra de vidro, chegou à Colina Sagrada por volta do meio-dia sob muitos aplausos, sorrisos e lágrimas, enquanto o Hino ao Senhor do Bonfim da Bahia era entoado nos arredores da Basílica Santuário Senhor do Bonfim.
Junto com a imagem, chegaram também as baianas, com suas quartinhas, para fazer a tradicional lavagem do adro da igreja. As quartinhas são compostas de ervas aromáticas, a exemplo do patchouli, manjericão e o macassá, tudo devidamente macerado e colocado na água, formando, assim, a água de cheiro.
Mãe Nicinha, de 73 anos, saiu às 2h de Santa Bárbara para participar pelo 36º ano da celebração. “Essa água de flor é para purificar o corpo e a alma. Eu acordo cedo, pego as folhas, faço o amaci e venho para cá. Todos os anos eu agradeço e peço que o Senhor do Bonfim nos dê muita paz e muita vida para todos nós”.
Gildete Brasil, de 69, moradora do Caminho de Areia faz questão de comparecer há mais de 40 anos vestida de baiana. “É muito lindo. E eu venho em sinal de agradecimento, porque tudo que eu pedi ao Senhor do Bonfim eu tive. Eu aproveito para pedir paz para o Brasil e o mundo. O cortejo da baiana simboliza a fé e a gratidão. É muito lindo ver as pessoas agradecendo. É uma emoção que não dá para explicar, só vivendo para entender a alegria imensa nos corações. Quando a imagem se aproxima, eu sempre me emociono muito, fico toda arrepiada e agradeço muito pela minha vida. O sentimento é de gratidão”.
A imagem chegou à Colina Sagrada após uma caminhada de 6,8 quilômetros, com saída a partir da Basílica Santuário Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio, por volta das 7h. Muita gente seguiu o trajeto correndo. Foi o caso do atleta e consultor de viagens Alan Nunes, de 42 anos, que há sete participa da Corrida Sagrada.
“Todos os anos fazer esse percurso da fé, que sai da Conceição até o Bonfim, é como se desse um start no ano, não só agradecendo pelas bênçãos que já tive, mas também fazendo os pedidos para o ano que começa. Então, é só alegria, rever amigos, praticar atividade física e confraternizar com a galera, que é muito bom”.
Da janela central da Basílica, o padre Edson Menezes exibiu a imagem do Senhor do Bonfim e proferiu uma mensagem religiosa e de esperança para milhares de pessoas que aguardavam do lado de fora.
“A imagem do Senhor do Bonfim tornou-se expressão da devoção de um povo que cultiva e preserva fé e tradição. Através do seu semblante, com os seus braços abertos, deixa transparecer a misericórdia. Com os seus braços abertos vem guiar nossos passos, depois de tantas tragédias, de tantos desastres, depois de tantos acidentes, depois de tantas mortes e crises. Vem, Senhor do Bonfim, nos proteger e nos guardar de todo o mal. Nesse cenário torna-se necessário renovar a nossa esperança e nos manter firmes com a certeza de que Deus está conosco. O Senhor do Bonfim não nos abandona”.
Vestidas de branco, as milhares de pessoas preenchiam o cenário da devoção ao Senhor do Bonfim e a Oxalá na Praça do Bonfim. Muitos vieram de outros estados para acompanhar a festa, que é tida como uma das mais populares do país.
A pedagoga Vênus Fernandes veio de Minas Gerais com o esposo e o filho para passar o Réveillon em Salvador e fez questão de estender mais um pouco a estadia para acompanhar tudo de perto. “Para mim é um momento de muita emoção e de muita gratidão, principalmente porque eu sou muito apaixonada pela Bahia. Eu fui abençoada, casei com um baiano, tenho um filho baiano, então só tenho que agradecer ao Senhor do Bonfim. A chegada da imagem, para mim, é um dos momentos mais emocionantes. Essa é uma festa que, quem puder, tem que vir conhecer”, disse.
A procissão até a Colina Sagrada é marcada pela presença de muitos grupos culturais, além dos minitrios, fanfarras, associações e entidades, que fazem o cortejo pelas ruas e avenidas da Cidade Baixa. Mascarado, Bartolomeu Conceição dos Anjos, 66, conhecido como Mestre Barbudo, representou a folia de Maragogipe e o trabalho de produção de máscaras.
“É muito importante estar aqui trazendo a beleza dos mascarados, das charangas e da folia de Maragogipe. Eu já participo há 35 anos”, contou ele, que é presidente do Conselho Cultural do município do Recôncavo baiano.
No percurso, também houve quem garantisse o sustento da família com a venda de alimentos e bebidas. Alex Oliveira, 40, levou o seu carrinho de mingau e sopa para alimentar quem saiu bem cedo para participar da celebração. No cardápio, mungunzá, mingau de milho verde, de aveia, de carimã, sopa e caldo de aipim. “Eu vendo aqui há uns seis anos. É muita gente, então dá para faturar um dinheirinho. Eu começo às 4h da manhã e daqui a pouco já vou embora. É uma festa massa. Só tenho a agradecer”.
Nas rus transversais, muitas barracas também venderam feijoada, sarapatel e outras comidas típicas da Bahia. O historiador Murilo Mello conta que a presença das barracas na Lavagem do Bonfim é bem tradicional e já foi alvo de fotos e relatos de pessoas de fora do país e de escritores, como Jorge Amado.
“As barracas eram um show à parte. Havia algumas lendárias, que vendiam comidas baianas. Há fotos de Pierre Verger dessas barracas, que eram um patrimônio na década de 1950. Há relatos de uma americana que passou por aqui, dando conta da riqueza do colorido e das comidas e bebidas que vendiam, a exemplo do aluá, bebida tradicional baiana feita com a fermentação de frutas, do coco, principalmente. Outras vendiam sarapatel, entre outros alimentos. Eram barracas muito coloridas e que faziam e ainda fazem parte da riqueza de identidade que tem todo o cortejo e trajeto da festa”.
A Lavagem do Bonfim é reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial do Brasil desde 2013.
Com o tema central “Amado Jesus, Senhor do Bonfim, Nossa Esperança, há 280 anos entre nós”, os festejos ao Senhor do Bonfim tiveram início com a novena, na quinta-feira passada (9), na própria Basílica. Neste ano, a celebração está fundamentada na vivência do Jubileu de Esperança – convocado pelo Santo Padre, o Papa Francisco – e o aniversário da chegada da imagem do Senhor do Bonfim, trazida à Bahia em abril de 1745.
A novena e festa em honra ao Senhor do Bonfim, realizada pela irmandade do Bonfim, vai até o próximo domingo (19), quando será celebrada uma missa solene pelo Cardeal Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, Dom Sérgio da Rocha, às 10h30, e realizada a Procissão dos Três Pedidos entre a Igreja de Nossa Senhora dos Mares e a Colina Sagrada. O domingo também será marcado pela queima de fogos e por apresentações musicais no encerramento do evento.
Foto: Lucas Moura/ Secom PMS