Em meu último artigo, abordei as preferências de Friedrich Nietzsche relacionadas à nutrição, baseado em sua autobiografia, Ecce Homo. Nela, após comentar as vantagens da culinária do Piemonte, Nietzsche fala de suas preferências no que se refere ao lugar e o clima e ao lazer. E diz: “o gênio é condicionado pelo ar seco, pelo céu límpido.”
Para corroborar seu vaticínio, ele menciona lugares onde o ar é primordialmente seco e onde há pessoas espirituosas, com senso de humor, refinamento e malícia, “nos quais o gênio se tornou familiar quase por obrigação”. E cita Paris, a Provença, Florença, Jerusalém e Atenas. Isso sem contar sua amada Turim, na Itália, e Sils-Maria nos Alpes suíços onde passou longas temporadas.
Por conta de seus problemas de saúde, ele tinha aversão à umidade e, com a mesma veemência que criticava o idealismo e a medianidade dos filósofos alemães, desancava o clima de lugares como Leipzig, Basileia, Turíngia que levavam a “indolência das vísceras”. Aliás, isso bastaria para desmentir sua fama mentirosa de “profeta da ideologia alemã que culminou no nazismo”, decorrente da deturpação póstuma de sua obra por sua irmã Elisabeth, essa sim uma nacionalista fanática que adulterou partes inteiras dos seus escritos.
Mas, dizia Nietzsche, não se pode errar na escolha da alimentação, do clima e do lugar, e tampouco na escolha do tipo de recreação. E aí ele é incisivo: “faz parte de minha recreação ler tudo, aquilo que me livra de mim mesmo e me deixa passear em ciências e almas desconhecidas.”
E então passamos a saber das preferências literárias de Nietzsche, do seu gosto pelos franceses – Pascal, Stendhal, Molière, Racine, Guy de Maupassant –, dos poetas Heinrich Heine e Byron; e certamente de Shakespeare e Lord Bacon.
Finalmente, Nietzsche chega à música, ou melhor, a Richard Wagner: “Todas as extravagâncias de Leonardo da Vinci se desencantam ante o primeiro acorde do Tristão.” Nosso filósofo gostava de Chopin, Rossini, Liszt, mas, quando jovem, idolatrava Wagner, considerando-o um renovador cultural. Até que o nacionalismo, o antissemitismo e uma certa nostalgia cristã do compositor o distanciaram dele, a ponto de afirmar que sua música era artificiosa, excessivamente grandiosa, histérica e que ele era um décadent.
As preferências de Friedrich Nietzsche refletem, de algum modo, o cerne de sua filosofia, o amor fati, o amor ao destino, no sentido de aceitar integralmente a vida, no que há de bom e terrível nela. Para o filósofo, coaches e livros de autoajuda seriam inúteis e Deus, uma “resposta esbofeteada e grosseira”: o homem precisava apenas ser o que é.
“Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati não querer nada de diferente, nem para a frente, nem para trás, por toda a eternidade. Não apenas suportar aquilo que é necessário, muito menos dissimulá-lo — mas sim amá-lo.”
Publicado no jornal A Tarde em 13/12/2024