Após um impasse de última hora envolvendo o Banco Central (BC) e sob protestos de parlamentares, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (11) o texto-base do projeto de lei que mantém a desoneração para empresas de 17 setores da economia e de prefeituras com até 156 mil habitantes. O texto já apreciado pelo Senado teve apenas uma alteração de redação. Agora, deputados analisarão os destaques. O impasse em torno da prorrogação da desoneração se arrasta há mais de um ano com embates duros entre o Congresso e o Executivo.
A emenda de redação que foi aprovada pelos parlamentares abre uma exceção ao permitir que os depósitos não reclamados depositados na conta dos bancos possam ser apropriados pelo Tesouro Nacional como receita e considerados para fins de verificação do cumprimento da meta fiscal de déficit zero neste ano. O BC, por outro lado, que tinha pedido aos parlamentares que rejeitassem integralmente trecho do projeto que permitia a incorporação desses recursos, não ficará obrigada a considerar esse dinheiro como receita nas suas estatísticas fiscais. A lei do arcabouço fiscal, porém, determina que será considerada cumprida a meta com base no resultado primário apurado pelo BC.
Em nota técnica distribuída na terça-feira, à qual a Folha teve acesso, a autoridade monetária expôs o seu desconforto ao relatar aos deputados que, da forma como estava escrito o dispositivo, haveria risco de entendimento de que estaria obrigado a promover o registro dessas receitas como “superávit primário” no cálculo das contas públicas. A movimentação do presidente do BC, Roberto Campos Neto, acabou adiando a votação prevista para a terça-feira e gerando apreensão nas empresas e prefeituras beneficiadas pela desoneração. O BC entende que a medida não seria um “esforço fiscal” a ser contabilizado no cálculo para o cumprimento da meta.
O projeto aprovado nesta quarta prevê uma série de medidas de compensação para a perda de receitas com a redução da contribuição previdenciária. Mas o potencial de arrecadação ainda é uma incógnita, o que levou a equipe econômica a prever alta das alíquotas da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e do JCP (Juros sobre Capital Próprio) na projeto de Orçamento de 2025 para compensar a renúncia fiscal. O ministério da Fazenda calcula uma renúncia de R$ 55 bilhões a ser compensada até o fim de 2027, quando o processo de reoneração estiver completo. Integrantes da equipe econômica já avisaram que vão cobrar a compensação integral.
Nesta quarta, foram 253 votos favoráveis e 67 contrários, além de quatro abstenções. A votação ocorreu no prazo final dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para a aprovação do projeto que sela o acordo fechado pelo Executivo e o Senado em torno da desoneração e das medidas de compensação. Se o prazo não fosse cumprido, a desoneração em vigor deixaria de valer. Em tom de protesto, a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que havia sido designada relatora da proposta, devolveu a relatoria, dizendo que não aceitaria “chantagem”. “Pela minha história e meus princípios eu, infelizmente, não tenho como assinar esse relatório nessa forma como foi feita, no limite do prazo como a gente tem, sem impossibilidade de construir”, disse Any Ortiz.
Dessa forma, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) se tornou o relator da matéria. No púlpito, o deputado minimizou a crítica sobre celeridade de tramitação e disse que há dias relatava ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a importância de votar o texto. Lira sequer compareceu à sessão desta quarta. Parlamentares da oposição criticaram ao longo da sessão a celeridade da tramitação da proposta e o fato de ela ser levada ao plenário na data limite dada pelo STF —com relatório apresentado com a sessão já em curso.
“O PL não aceita estar encurralado na parede. É um torniquete colocado pelo Supremo. No final quem está legislando não somos nós. É vergonhoso a Casa ficar dependendo desse tipo de acerto em algo que foi votado no Congresso”, afirmou o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo). Passarinho criticou ainda o fato de que os parlamentares não poderão fazer mudanças ao texto, já que não haveria tempo hábil para o Senado se debruçar novamente sobre o tema, diante do prazo do STF. “Esse governo não respeita nem o Banco Central”, criticou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
Ao longo do dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve que entrar em campo para contornar o impasse gerado por causa da nota técnica do BC. A medida foi incluída na votação no Senado do projeto. O SVR (Sistema de Valores a Receber), do BC, indica a existência de R$ 8,5 bilhões esquecidos por pessoas físicas e empresas. Para resolver o impasse, Haddad se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um mudança de mérito do texto obrigaria o retorno do projeto ao Senado para uma nova votação, o que Haddad quis evitar.
O projeto prevê a manutenção do benefício neste ano, com o pagamento, por parte das empresas, da CPRB (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta), que é o nome técnico da desoneração da folha. Enquanto a cobrança da CPRB começa a cair a partir do ano que vem, a contribuição sobre a folha de salários passa a ser cobrada: com alíquota de 5% em 2025; 10% em 2026 e 15% em 2027 –não haverá cobrança do tributo majorado sobre a folha do 13º salário.
Já em 2028, as empresas dos 17 setores passam a pagar a contribuição sobre a folha de salários de 20%. Esse valor já é cobrado atualmente das demais empresas não beneficiadas pela desoneração. O projeto estabelece a obrigação de as empresas beneficiadas manterem, pelo menos, 75% do número de empregados durante a vigência do incentivo tributários.
A proposta prevê uma série de compensações diante da renúncia fiscal com a desoneração. Há medidas como a atualização do valor de bens (como imóveis) na declaração do Imposto de Renda, abertura de um novo prazo de repatriação de recursos no exterior e um Desenrola (programa de renegociação de dívidas) para empresas com multas e taxas vencidas cobradas pelas agências reguladoras.
Também faz parte do texto um corte de despesas obrigatórias como medida de compensação. O texto prevê regras que endurecem a legislação para auxiliar o combate fraude em benefícios como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), concedido a idosos e pessoas com deficiência, e o seguro-defeso, pago a pescadores artesanais durante o período em que a atividade é proibida para preservar a reprodução dos peixes.
O texto contém duas medidas para facilitar e agilizar o resgate de precatórios abandonados e outros depósitos judiciais, que podem garantir entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em receitas para o governo federal. Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros. Com relação aos municípios de até 156 mil habitantes, haverá uma progressão da reoneração até 2027. A alíquota desonerada fica em 8% em 2024, e sobe para 12% em 2025, depois 16% em 2026, até chegar a 20% em 2027.
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil