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CARRO ELÉTRICO: ESTUDO APONTA QUE EVOLUÇÃO RÁPIDA E CONCORRÊNCIA CHINESA ACELERAM DESVALORIZAÇÃO E DIFICULTAM REVENDA

João Paulo - 09/09/2024 12:58

A venda de carros elétricos na Europa e nos Estados Unidos está em desaceleração. Segundo reportagem do Estadão, o mercado provocou uma intensa queda nos preços de revenda e excesso de estoques nas lojas e fábricas. No Brasil, onde as vendas desses modelos estão aquecidas, ainda que sobre uma base pequena de comparação, a desvalorização de modelos 100% a bateria também preocupa. Automóveis com dois a três anos de uso e baixa quilometragem foram vendidos nos últimos meses com até 45% de deságio e, dependendo do modelo, por menos da metade do valor pago pelo novo.

Após rodar 54 mil km, por dois anos e meio, com um Peugeot e-208, adquirido por R$ 249 mil, o empresário paulista Maurício de Barros decidiu vendê-lo. Fez anúncios em plataformas especializadas e, em quatro meses, não recebeu propostas. Em julho, entregou o modelo a uma concessionária por R$ 100 mil como parte da troca por outro elétrico. “Foi uma paulada”, diz.

Barros reconhece, contudo, ter “pago o preço por estar entre os primeiros a ter um carro 100% elétrico, quando não havia muitas opções e todos os modelos eram caros”. Seu consolo é ter adquirido um BYD Yuan Plus novo, com mais itens de tecnologia e 480 km de autonomia, ante 320 km do e-208. O modelo custou R$ 209 mil porque a marca deu desconto de R$ 30 mil para aquela versão.

A rapidez na evolução tecnológica dos automóveis elétricos, a deficiência na infraestrutura de recarga e a guerra de preços intensificada pelas empresas chinesas a partir do ano passado, que levou as demais marcas a baixarem seus preços, são os principais fatores que levam à desvalorização dos seminovos. Já os preços dos modelos híbridos usados têm comportamento mais próximo ao dos carros a combustão.

Um Nissan Leaf Tekna 2023 zero, por exemplo, tem preço sugerido pela fabricante de R$ 298,4 mil, mas pode ser encontrado nas concessionárias com 15% de desconto, ou R$ 252,1 mil, de acordo com a consultoria automotiva Kelley Blue Book (KBB). A versão do mesmo ano com 14 mil km rodados custa, nas revendas, R$ 196,1 mil, um deságio de 22%. Já na troca por outro carro, os lojistas pagam 37% menos (R$ 158,8 mil).

Enilson Sales, presidente da Fenauto, associação dos revendedores de carros usados, afirma que, apesar da desvalorização, as vendas de eletrificados (elétricos e híbridos) cresceram 90% de janeiro a julho, somando 33 mil unidades. Desse total, 83% têm até três anos de uso. Já os negócios com veículos a combustão foram 9% superiores em relação a 2023 (8,8 milhões unidades).

Ele pondera que a comparação “é injusta, pois os eletrificados estão em franca ascensão”. Segundo Sales, é cedo para se ter uma sinalização mais forte sobre esse segmento, pois ainda é um nicho de mercado. “Mas é possível dizer que a desvalorização será maior do que a dos modelos a combustão nesses primeiros anos.”

As chinesas BYD e GWM, marcas que agitaram o mercado com carros elétricos e híbridos importados, prometem iniciar produção local no próximo ano, em princípio fazendo apenas a montagem de kits trazidos da China. Atentas ao movimento de desvalorização principalmente dos preços da concorrência, ambas adotaram estratégias de recompra de seminovos a valores próximos aos da tabela Fipe.

Assim que completam um ano de mercado, os carros da BYD são aceitos pelas concessionárias por 90% do valor da Fipe na troca pelo mesmo modelo zero. “Estamos fazendo isso com o Song Plus (híbrido plug-in) e com o Tan (elétrico) e vamos incluir o Dolphin (também elétrico), que neste mês completa um ano de lançamento”, diz Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da montadora. Segundo ele, todos os modelos que forem lançados no País serão incluídos nesse plano.

Baldy vê as informações sobre a desvalorização dos elétricos como “distorcidas”, pois atrapalham o mercado e assustam o consumidor. “Isso é o que as grandes montadoras que não têm produto para vender fazem questão de difundir porque não conseguem concorrer”. Para ele, avaliações envolvendo modelos com poucas unidades comercializadas, e vários deles já fora do mercado, não são justas pois não representam o mercado como um todo.

A GWM também tem um programa de recompra por 80% do valor da Fipe para os dois modelos à venda no País, o Haval nas versões híbrida e híbrida plug-in e o elétrico Ora. A promoção é válida para carros com até dois anos de uso na troca por outro da marca. A empresa também expandiu a estratégia de manter seus produtos valorizados ao fazer acordos com locadoras e seguradoras. Conforme Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais da GWM, o valor da apólice de seguro de modelos da marca caiu quase 50% após a empresa assumir qualquer eventual despesa com a bateria, item que representa cerca de 40% do custo dos elétricos.

Para as locadoras, a garantia de oito anos para as baterias oferecida ao consumidor se estende aos contratos de assinatura. Além disso, a locadora não fica com o carro em seu estoque, que só é adquirido após o cliente fechar o contrato. A manutenção também fica por conta da GWM. “Nossa preocupação é que o valor de revenda do carro não desabe”, diz Bastos.

Segundo o executivo, que também preside a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), não há desvalorização generalizada de preços dos eletrificados, mas uma questão pontual de algumas marcas, principalmente relacionada à chegada de novas tecnologias. “Cada vez mais os carros vão ter saltos tecnológicos e o modelo antigo deixa de ser referência de preço para o zero.”

Bastos não acredita que a desvalorização dos eletrificados usados altere o interesse dos consumidores pelos novos. Em sua opinião, o mercado está em expansão e este ano deve chegar a 150 mil unidades, quase 60% a mais ante 2023. Desse total, a ABVE prevê que 110 mil serão de elétricos e híbridos plug-in (também podem ser carregados na tomada) e 40 mil híbridos.

A perda maior de valor dos elétricos em relação aos veículos convencionais tende a continuar, segundo Ricardo Roa, sócio-líder do setor Automotivo da KPMG no Brasil. “Acho que vai ocorrer bastante dessa desvalorização nos próximos dois a três anos por conta da celeridade da tecnologia e da maior autonomia, além do aumento de portfólio por parte das fabricantes”. Para ele, esse movimento só diminuirá quando as mudanças no segmento ficarem mais estabilizadas.

Roa também avalia que a tendência de deságio nos usados não terá impacto no mercado de novos. “É como a mudança de uma tecnologia do celular; o novo continua sendo muito atrativo.” De janeiro a agosto foram vendidos 41 mil automóveis elétricos zero-quilômetro no Brasil, todos importados, número quase oito vezes maior que o de igual período do ano passado. De híbridos e híbridos plug-in foram quase 70 mil, alta de 58%. Hoje, há cerca de 316 mil veículos leves eletrificados em circulação, 0,6% da frota total do País. As vendas de seminovos 100% a bateria aumentaram 34% até julho, para 4,7 mil unidades. O descompasso com o mercado de zero tem a ver com a baixa oferta de modelos que já tenham completado o primeiro ciclo de revenda.

O vice-presidente da Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores (Abravei), Thiago Garcia, vê a defasagem dos usados como “justificável” pois muitos dos automóveis novos estão chegando ao mercado com mais tecnologia e mais baratos em relação àqueles vendidos a partir de 2018 e 2019, além da disputa de mercado promovida pelas marcas chinesas.

Em sua avaliação, falta informação adequada aos compradores principalmente relacionadas às mudanças tecnológicas e ao preconceito com os modelos usados. A questão das baterias é um deles. As fabricantes dão garantia de cinco a oito anos para as baterias e, na maioria dos casos, a degradação é pequena. “Um amigo tem um Volvo XC40 que já rodou 210 mil km e a degradação da bateria foi de 10%”, exemplifica Garcia.

A falta de infraestrutura também é um problema, mas ele vem diminuindo, segundo a Abracei. Maurício de Barros, que utilizou seu Peugeot e-208 por mais de dois anos, conta que fez várias viagens, inclusive para Buenos Aires, na Argentina, e nunca ficou parado por falta de energia.

Segundo Barros, é necessário ter um plano de viagem traçando todos os locais onde há postos de recarga, usar aplicativos que mostram os carregadores e se estão livres, e também verificar se hotéis e pousadas disponibilizam tomadas. Ele tem um carregador portátil que funciona em tomadas normais e um adaptador. Seu plano para março de 2025 é percorrer 16 mil km com um carro elétrico. “Vou subir a Cordilheira dos Andes, passar pela costa do Pacífico, deserto do Atacama e vários países.”

 

Foto: Feijão Almeida/Governo da Bahia

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