É próprio dos fatos inesperados terem o condão de gerar expectativas e previsões definitivas. E essa tendência é mais forte ainda quando se trata de um ataque a tiro a um político que usa as mídias de maneira competente e usa até o próprio atentado para sair de punho erguido fazendo campanha. Foi o caso do ex-presidente e candidato Donald Trump, por isso é compreensível a avalanche de analistas e políticos dizendo que ele já ganhou as eleições americanas. Mas não é bem assim. Tampouco faz sentido as comparações com o atentado a Jair Bolsonaro que, efetivamente, catapultou o presidente na corrida eleitoral brasileira em 2018.
Não há como fazer comparações com o que ocorreu com Bolsonaro por um motivo simples: naquele atentado o ex-presidente praticamente saiu de cena, deixando a mídia se ocupar de boletins médicos e fotos com ar de mártir do ex-presidente. Ou seja, ele foi poupado pela imprensa, foi poupado dos debates e dos ataques dos concorrentes e, na época, ainda existia um forte elemento antipetista na sociedade.
Com Trump isso não vai ocorrer, afinal, já a partir de hoje ele estará no palanque dizendo mentiras e impropriedade e atacando os adversários. No momento em que estiver novamente em ação, ele voltará a ser o Trump de sempre e a comoção pelo atentado ficará restrita aos seus apoiadores. Além disso, ao contrário do ocorria no Brasil, nos Estados Unidos o que existe é um sentimento anti-trumpista por causa do perigo que ele representa para a democracia e do ataque ao Capitólio que estará nas telas americanas logos após a comoção natural desaparecer.
Além disso, como ressaltou o comentarista Guga Chacra, nos EUA episódios que parecem definitivos na campanha, rapidamente acabam perdendo força no eleitorado.
Em 2016,por exemplo, o vídeo no qual Trump fala barbaridades sobre mulheres e o processo dos e-mails de Hillary Clinton pareciam fatais para as campanhas de cada um e não deram em nada. E tampouco teve importância nas pesquisas eleitorais a condenação de Trump na corte de Nova York e o mesmo ocorrerá quando a sentença for divulgada em setembro. Aliás, mesmo o desempenho tragicômico de Biden no debate foi capaz de afetar fortemente o eleitorado, bastando ver que as pesquisas feitas após o evento fizeram Trump ganhar poucos pontos, praticamente na margem de erro.
Isso ocorre porque a eleição americana não é direta, é indireta, e os votos são dados pelos delegados de cada partido eleitos nas eleições primárias. Isso significa que o eleitor define seu voto partidariamente e, além disso, apenas seis estados têm capacidade de modificar o resultado da eleição, os chamados estados pêndulos e aí é que a campanha vai ser decidida.
O impacto do atentado estará presente nas campanhas, mas outros eventos vão contrapor-se a eles, afinal faltam quatro meses para as eleições. É verdade que, para os democratas, a substituição de Biden seria conveniente, não só porque seria um fato excepcional, capaz de mobilizar a imprensa tanto quanto o atentado, como também porque o desempenho fraco do atual presidente será muito mais decisivo na campanha que o atentado sofrido por Trump. A verdade é que ainda cedo para o já ganhou tanto do lado dos Republicanos, quanto do lado dos Democratas. Muita água ainda vai rolar nesse rio de votos. (EP- 15/07/2023)