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WALDECK ORNÉLAS – A BTS E O CAMINHO DAS ÍNDIAS

Redação - 05/02/2024 08:18 - Atualizado 05/02/2024

Foi fazendo o caminho das Índias que Pedro Álvares Cabral, o descobridor, chegou ao Brasil, na Bahia. A fundação da cidade do Salvador, em 1549, fez surgir aquele que, por longo tempo, viria a ser o “porto do Brasil”, na Baía de Todos os Santos (BTS), e o mais importante do Hemisfério Sul, um status só modificado com a abertura do Canal de Suez, em 1869, que mudou o curso das navegações globais.

Agora, mais uma vez, é o “caminho da Índias” que volta a desafiar o Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos – BTS-Port, ante a necessidade de conquistar linhas de navegação internacionais e, em âmbito nacional, servir à cabotagem. Para isto, a BTS precisa ter ligações diretas não só com a Ásia, mas também com a Europa e América do Norte.

Para tanto, a adequação das condições naturais da BTS requer que o canal de acesso adquira profundidade suficiente para operar os novos navios com comprimento total de até 400m, uma vez que os nossos portos não foram instalados ao longo do canal principal da baía. Com isto, o complexo portuário da BTS se qualifica e evita-se o deslocamento de cargas internacionais, por serviço feeder, para outros portos com melhores condições operacionais. Não fazer isto acarreta, como consequência econômica, a perda, pela Bahia, de novos investimentos industriais e logísticos, com o seu deslocamento para os estados onde se encontrem esses outros portos.

Otimizar as condições de acesso aos portos da BTS constitui uma urgência estratégica, para aproveitar as vantagens de suas águas profundas e abrigadas, excelentes condições meteorológicas e baixo nível de assoreamento.

Neste momento, no litoral do país, há uma verdadeira corrida para adequação da profundidade dos portos, para estarem aptos a receber navios com maior calado, desde que apresentem condições para tanto. Nem todos, contudo, poderão atendê-las. Mas a BTS reúne essas condições e não pode ficar para trás.

Por uma feliz coincidência, vários movimentos distintos podem, neste momento, convergir para que este objetivo seja, aqui, rapidamente alcançado. Por conta da ponte Salvador-Itaparica, o Estado ficou com a obrigação de fazer o aprofundamento da bacia de evolução do Porto de Salvador, serviço a ser realizado antes do início das obras de implantação. Uma condição estabelecida pela Marinha.

Em paralelo, a Acelen vai começar a fazer a dragagem da área de atracação do Temadre. Nem por isto ganhará condições para receber os Very Large Crude Carrier (VLCC), superpetroleiros de dois milhões de barris de óleo cru, que têm vindo até aqui, mas são obrigados a fazer transferência da carga, em operações ship-to-schip, fora da BTS.

Por sua vez, o terminal de contêineres do Porto de Salvador já está homologado para receber navios de 366m, os New Panamax. Mas é preciso a adequação do canal de acesso ao porto e da bacia de evolução, mediante dragagem de aprofundamento, para habilitá-lo a receber esses e os navios de ainda maior porte, os Ultra Large Container Ship (ULCS). É preciso superar a necessidade de espera por maré, o que gera significativos custos adicionais. Uma ação a cargo da Codeba, leia-se Ministério dos Portos e Aeroportos.

Constitui esta circunstância uma singular e grata oportunidade para dar início a uma ação cooperativa, complementar e compartilhada, capaz de configurar o início de estruturação do BTS-Port (https://bahiaeconomica.com.br/wp/2024/01/22/waldeck-ornelas-o-complexo-portuario-da-bts/). Basta que sejam reunidos os esforços para a realização da dragagem de aprofundamento do canal de acesso aos portos da BTS até a profundidade necessária para viabilizar a operação com navios porta contêineres com capacidade superior a 15.000 TEUs (classe 7).

Uma vez feito o rebaixamento do canal de acesso, a BTS apresenta a vantagem de não precisar das frequentes e constantes dragagens de manutenção, como as que são requeridas, por exemplo, pelo porto de Santos, o mais importante do país, e que já estará recebendo esses navios a partir de 2026. Para não perder o passo, a janela de oportunidade é, portanto, bastante curta. As decisões precisam ser tomadas agora.

É que a BTS precisa estar preparada para ser um dos Hub-Ports brasileiros. O aumento do tamanho dos navios é que determina essa necessidade de aprofundamento do canal. Embora os armadores tenham grande poder de decisão sobre a definição dos hub-port por todo o mundo, só podem atracar os seus grandes navios onde existirem condições adequadas para sua operação.

Na América Latina, pela costa do Pacífico, a decisão já está tomada: a Cosco constrói em Chancay, no Peru, o porto que atenderá a toda a região sulamericana. Na costa Atlântica, contudo, esta opção ainda está por ser feita. Mas o Brasil, pelo porte de sua economia e pela vasta extensão litorânea, haverá de ter pelo menos mais de um hub-port.

O isolamento logístico da Bahia tem sido discutido em função da nova malha ferroviária nacional e o vencimento da concessão da FCA. Mas a logística requer soluções sistêmicas e integradas e, neste sentido, a articulação entre ferrovias e portos é indispensável.

A BTS precisa se tornar escala tecnicamente viável para navios de longo curso das classes ULCS (porta contêineres) e VLCC (petroleiros). Nas rotas internacionais, por sua localização, a BTS tende a ser o primeiro ou último porto a ser escalado no Brasil. Assim, precisa ter as melhores condições operacionais, porque sempre receberá os navios com maior volume de carga a bordo. Isto, por outro lado, oferece vantagens em relação à cabotagem, conformando um polo de concentração e distribuição de cargas.

Quem já foi o “Porto do Brasil” não pode ser rebaixado à condição de porto local, nesse novo ciclo de redefinição das linhas de navegação de longo curso, mundo afora.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

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