E foi então que pus-me a ouvir a Sinfonia No. 5 de Mahler. Quando surgiram os primeiros acordes do Adagietto, que é fundo musical de “Morte em Veneza” de Visconti, perguntei a mim mesmo: Que música é essa, meu Deus? E que homem foi capaz de compô-la? O homem foi Gustav Mahler, o genial compositor e regente austríaco e dizem que quando a compôs havia conhecido há pouco Alma Mahler, que viria a ser sua esposa. Alma era um espírito livre, muito jovem havia flertado com ninguém menos que Klimt, o famoso pintor de “O Beijo”, que a retratou lindamente, e não foram poucos os seus “affairs”. Alma era compositora, tomava aulas de regência e tinha interesses artísticos até que se casou com Mahler, o grande diretor da “Royal Opera” de Viena, vinte anos mais velho que ela. Mahler era um homem complexo – como não haveria de sê-lo com a música maravilhosa que trazia dentro de si? – e estigmatizado por ser judeu, filho de família pobre e também pela agressividade com que exigia disciplina e rigor aos músicos de sua orquestra.
No auge da fama, teve duas filhas com Alma, naquele que parecia ser um casamento perfeito. Mas, diria Shakespeare, “ tudo quanto cresce, desfruta a perfeição de um só momento.” Alma passou a se mortificar por ter abandonado sua veia artística e Mahler estava sempre namorando com a música. A harmonia se desfez por completo quando Maria, uma das filhas do casal, morreu de difteria e Mahler foi demitido da Ópera de Viena indo dirigir, apartado de sua Alma, a Ópera Metropolitana em Nova York. O amor repele a ausência e Alma Mahler apaixonou-se perdidamente por Walter Gropius.
Um dia o maestro recebe uma carta endereçada ao Sr. Mahler, mas cuja destinatária era a Sra. Mahler. Gropius havia escrito a carta na qual implora que ela deixe o marido para ficar com ele. Freud explica a suposta troca de destinatário e poderia ter explicado mais se Mahler, já depressivo, tivesse comparecido as sessões que ele mesmo marcou com o pai da psicanálise. Mas já não havia mais tempo: aos 51 anos Gustav Mahler morre. Havia perdido sua Alma.
Texto do escritor Armando Avena, publicado no livro “Dia de Lavar a Roupa dos Mendigos”