Nas próximas colunas, procuraremos abordar alguns equívocos e simplificações veiculadas por analistas acerca do agro brasileiro, os quais podem macular de alguma forma a imagem desse setor, que é mais dinâmico da economia brasileira. O esforço de identificação e sistematização desses equívocos tem sido conduzido pelo professor Xico Graziano, da FGV-SP, em parceria com os pesquisadores Décio Gazzoni e Maria Thereza Pedroso, ambos da EMBRAPA, esforço este que culminou com a publicação do livro intitulado “Agricultura: fatos e mitos”, publicado pela Editora Baraúna em 2020. O professor Amílcar Baiardi também tem aportado contribuições importantes em artigos sobre o tema, sobretudo em parceria com pesquisadora Maria Thereza Pedroso.
Como são vários mitos elencados no livro, nos ocuparemos de apresentar alguns deles nas próximas colunas, mencionando os principais argumentos e dados citados pelos autores acima, e agregando eventualmente alguma informação ou dados adicionais a título de complementação de evidências científicas encontradas em outros trabalhos. Os temas objeto de análise se referem, por exemplo, ao uso de defensivos químicos no Brasil; aos supostos malefícios dos Organismos Geneticamente Modificados (Transgênicos); à suposta supremacia da agricultura familiar vis-a-vis a agricultura de maior escala; à chamada “savanização” da Amazônia, com o desmatamento , e a necessidade de restaurar todo o bioma; aos elevados (?) subsídios praticados ou concedidos aos agricultores brasileiros, bem como outros temas que poderão surgir no decorrer dos próximos artigos. O primeiro tópico a ser abordado hoje se refere ao uso de defensivos químicos (também chamado de agrotóxicos, pesticidas, agroquímicos, etc) e ao suposto “envenenamento” da população brasileira pelo consumo de alimentos, que carregariam resíduos desses insumos em doses elevadas, insumos esses que seriam empregados no Brasil em quantidades excessivas, no cotejamento internacional.
Segundo Xico Graziano e demais autores já citados, enquanto na agricultura temperada, os patógenos, sobretudo devido ao frio e à baixa luminosidade, reduzem seu metabolismo no inverno, diminuindo consideravelmente sua capacidade de infecção de plantas cultivadas e animais criados , nas condições da agricultura tropical, como no Brasil, os patógenos mantêm sem interrupção seu ciclo vital no inverno, causando prejuízos às lavouras e criações animais, requerendo, portanto, o seu combate e o uso de defensivos químicos, embora sejam crescentes os esforços de pesquisas para disponibilizar (e já está ocorrendo) métodos de controle biológico de pragas e doenças, em combinação com outras práticas agrícolas , como rotação de cultivos, vazio sanitário e outras possibilidades. Portanto, combater pragas e doenças na agropecuária brasileira é muito mais difícil e complexo, em relação as condições de agricultura de clima temperado, vigentes nos EUA, União Europeia e Japão. Aqui, temos o primeiro mito: o de que os consumidores brasileiros estariam sofrendo um processo de envenenamento, em face do uso excessivo de defensivos químicos. Na visão dos autores acima, esse tipo de “falsidade” foi criada para atacar a chamada agricultura tecnológica.
Com respeito à essa afirmação, os autores mencionam uma pesquisa de amostra de alimentos conduzida pela ANVISA, do Ministério da Saúde, envolvendo quase 5 mil análises de Limites Máximos de Resíduos. Com elevada margem de segurança, a pesquisa concluiu que apenas 0,89% das amostras revelou algum potencial de risco agudo à saúde humana. Em termos de risco crônico à saúde, o resultado deu zero. Além dessa pesquisa da ANVISA, o melhoramento genético para resistência à pragas e doenças em plantas cultivadas e animais, os métodos de controle biológicos e culturais, e as novas moléculas de pesticidas agrícolas, muito mais amigáveis à saúde humana e ao meio ambiente, apontam para a afirmação de que não há consistência na hipótese de envenenamento de nossa população.
Quanto ao suposto uso excessivo de defensivos, um estudo da FAO coloca o Brasil na posição 44 do ranking mundial de quantidades usadas desses insumos por hectare cultivado. O Brasil utiliza 4,1quilos por hectare, sendo essa quantidade superada por vários países europeus, como França, Alemanha, Espanha , Itália, Portugal ,Holanda e Bélgica, dentre outros.
Com relação às gerações de pesticidas , cabe ressaltar que as duas primeiras gerações , dos elementos químicos naturais e dos organoclorados e fosforados , a exemplo do DDT e BHC , já tem seu uso proibido no Brasil desde 1975 e 1985, respectivamente. As gerações atuais, como já foi dito, são muito mais amigáveis à saúde humana e ao meio ambiente. São muito menos tóxicos, mais seletivos, preservando os insetos úteis, e se degradam rapidamente após o uso. A lei de 1989, que os disciplina, só permite o registro de novos defensivos que sejam menos tóxicos em relação às alternativas anteriores (ver a lei 7802, de 11 de julho de 1989, artigo terceiro, parágrafo quinto). Um novo projeto de lei sobre a matéria está em tramitação no Congresso Nacional.
Do exposto, a hipótese de envenenamento da nossa população por consumo de alimentos que usam defensivos se afigura equivocada. Essa é a conclusão dos autores do livro citado acima. Do mesmo modo, pode-se afirmar que o Brasil está longe de figurar no universo de países que mais consomem tais insumos por hectare cultivado.
Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP.
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