Durante o mês de junho as duas fábricas de fertilizantes nitrogenados do Brasil, Unigel Agro BA e Unigel Agro SE, foram paralisadas. Elas são de propriedade da Petrobras e operadas pela Unigel mediante contrato de arrendamento. O motivo principal da decisão foi o preço do gás natural (GN), matéria-prima fornecida pela Petrobras. Perguntei ao ChatGPT, que usa a Inteligência Artificial (IA), para explicar o motivo do preço do gás natural ser elevado no Brasil. A resposta não apresentou nada de novo. Ao expor que dependia de vários fatores citou a falta de infraestrutura, o fato do mercado ser altamente regulado e concentrado, a dependência das importações da Bolívia, a excessiva carga tributária e a pandemia COVID-19. Deixou de se referir ao mais importante, o monopólio exercido pela Petrobras no setor.
No mês de maio deste ano o preço médio do gás natural em estado gasoso (NCM2711.21.00) importado pela Petrobras da Bolívia foi de US$ 5,83 por milhão de BTU (MMBTU) em Mutún, na fronteira com o Brasil (Comex Stat). De acordo com o Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural de fevereiro deste ano, editado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), o preço médio do GN vendido para as companhias distribuidoras foi de US$15,13/MMBTU. A companhia distribuidora maior demandante de GN foi a Congás (SP) com10,55 milhões de m3 por dia (MM m3/d), sem o segmento termoelétrico. É de se esperar que a maior parte do GN comprado na Bolívia seja vendido em São Paulo (18,17 MM m3/d em fevereiro). Neste caso, o transporte em gasodutocustou perto de US$9,30/MMBTU (15,13-5,83). Como em outros países o frete gira em torno de US$0,30/MMBTU, o cobrado pela Petrobras pode ser considerado exorbitante.
Outra avaliação vem do próprio MME. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) o custo do GN produzido pela Petrobrás é de pouco mais de US$6.00/MMBTU, o que permite uma venda por US$7,00/MMBTU com folgada margem de comercialização. Se fosse cobrado este preço para as duas fábricas de fertilizantes nitrogenados operadas pela Unigel elas não teriam sido paralisadas. A situação ficou agravada porque, desde o início do arrendamento em 2019 o preço da ureia, principal produto fabricado, variou de um máximo de US$1.050,00/t para US$303,56/t, valor médio das importações em maio deste ano (Comex Stat). O preço do GN cobrado pela Petrobras dobrou, ao invés de ter sido reduzido, como era de se esperar.
Uma polêmica estabelecida recentemente é sobre o volume de GN reinjetado. Segundo o Boletim do MME citado acima, a produção nacional de GN em fevereiro foi de 146,54 MMm3/d, e o total reinjetado foi de 77,23 MMm3/d, equivalendo, portanto, a 52,70% da produção, porcentual considerado muito elevado pelos especialistas. A reinjeção é uma prática que traz benefícios técnicos e econômicos, como aumentar a recuperação de óleo, manter a pressão do reservatório e evitar a emissão de gases contaminantes. Ou seja, reinjetar significa maior produção de óleo e menor de gás.
A Petrobras é uma companhia estatal. A maior parte de suas ações ordinárias, com direito a voto, é de propriedade do Estado. O MME é quem fala na Petrobras em nome do Estado e o ministro de Minas e Energia é o Presidente do seu Conselho de Administração. A Petrobras é uma empresa controlada pelo Governo, ou seja, pelo povo brasileiro. A sua diretriz principal não deveria ser de maximizar o lucro e sim os benefícios sociais. A pessoas físicas e jurídicas quando adquirem ações da Petrobras sabem disso e não podem reclamar depois.
Na paralização dessas fábricas deve-se levar em conta que os operários que lá trabalham, que dedicaram suas vidas à operação das unidades, estão sofrendo um transtorno enorme. Da mesma forma terão grandes perdas os fornecedores de bens e serviços. Os tributos que não mais serão arrecadados pelos Estados da Bahia e Sergipe farão falta, principalmente para o cumprimento de suas obrigações para com a saúde, a educação e a segurança. A paralização das duas fábricas trará uma enormidade de malefícios, não só para as pessoas que trabalhamna operação, mas também paraas organizações que vivem em função delas.
Mas não é só isso. Atualmente o Brasil importa cerca de 80% dos fertilizantes nitrogenados que consome. Passará a importar mais. Isso enfraquece o nosso agronegócio tornando-o mais vulnerável. A expectativa que se tem é de que tal política, de maximizar o lucro, seja revisto e que o negócio de venda do GN não beneficie apenas uma empresa, mas a todos os brasileiros.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]
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