Outro dia, folheando Navegação de Cabotagem, o maravilhoso livro de memórias de Jorge Amado, deparei-me com um texto que conta a história da Academia dos Rebeldes, criada em 1928 por jovens escritores na cidade da Bahia, quando Salvador ainda era chamada assim, e cuja sede ficava no Café das Meninas, na esquina da Rua do Tira Chapéu com a Rua da Ajuda, próximo ao Bar Brunswick.
Acho que quem me falou pela primeira vez da Academia dos Rebeldes foi o nosso saudoso João Carlos Teixeira Gomes, o Pena de Aço, mas li também sobre ela em artigos de Cid Seixas e do confrade e amigo Florisvaldo Mattos, patrimônio da cultura baiana. O texto de Jorge Amado que, jovem escritor de 16 anos, foi um dos fundadores da confraria, dá a exata medida dos objetivos dos “Rebeldes”: “varrer com toda a literatura do passado – raríssimos os poetas e ficcionistas que se salvariam do expurgo – e iniciar a nova era”.
O próprio Jorge reconhece que não se chegou a tanto, mas se houve alguma repercussão na Bahia da Semana de Arte Moderna de 1922 ela veio dos “Rebeldes” que, diga-se de passagem, rebelavam-se também contra aquele modernismo trazido da Europa e buscavam uma escrita apartada da “oratória balofa, da literatice, para dar conteúdo nacional e social na reescrita da língua falada pelos brasileiros”.
Havia outros movimentos literários no mesmo período, como os das revistas Arco & Flexa e Samba, mas os “Rebeldes” eram diferentes, combatiam a Academia Brasileira de Letras e toda a literatura de então, formando o que se pode chamar de uma anti academia. No seu discurso de posse na cadeira 23 da academia brasileira , hoje ocupado pelo escritor baiano e confrade Antônio Torres, que recentemente nos brindou com o livro ” Querida Cidade”, Jorge Amado brincava com o adolescente da Academia dos Rebeldes: “Que diria o jovem de dezesseis anos, assombrado ante a vida e o mundo, solto ao mistério da Bahia, ao ver o quase cinquentão de hoje, envergando fardão, espadim e colar acadêmico. Dentro de mim, senhores, neste coração que resiste a envelhecer, ouço o riso moleque do rebelde uma busca de caminho. Rio-me com ele, não há entre nós oposição, não existem divergências fundamentais entre o menino de ontem e o homem de hoje, apenas um tempo intensamente vivido. São muitos homens em diversas idades a encontrarem-se nessa tribuna somados num homem maduro, mas ainda de experiência e vida vivida que de idade”.
Pois é, este cronista também tem um coração que resiste a envelhecer e, se não amasse tanto a Academia de Letras da Bahia e os confrades e amigos que lá tem, pediria a Utnapishtim, o Longínquo, que sobreviveu ao dilúvio e detém a fórmula da imortalidade e do rejuvenescimento, que lhe cedesse um pouco dela para permitir adentrar, ainda que por alguns instantes, no plenário boêmio da Academia dos Rebeldes.
Publicado no jornal A Tarde em 08/07/2022
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