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OS TÁRTAROS NÃO VIERAM – ARMANDO AVENA

Redação - 13/05/2022 10:01

Hoje não vou falar da política que polariza o país e tampouco de economia, que o saber aborrece o dono, então escolho a literatura o mais lúdico dos meus ofícios. Decido escrever sobre o que estou lendo, mas percebo que o jovem que se encantava por um livro e não desgrudava dele até que o fim se impusesse já não existe mais e que leio dois, três livros ao mesmo tempo. E daí, por que não escrever sobre os três?

Aceito o desafio para dizer que comecei a ler um livro intitulado  “Quando deixamos de entender o mundo” que chamou minha atenção por causa do título e de ter sido um dos finalistas do International Book Prize em 2021. O autor, um holandês que vive no Chile  de nome Benjamin Labatut, é visto como uma revelação literária. É um livro estranho, cujos protagonistas são cientistas famosos como Einstein, Heisenberg e outros, que mistura um pouco de ficção com muita biografia e  parece querer destacar o lado escuro de homens geniais e o resultado trágico de algumas de suas descobertas. Não sei é bem assim, ainda não passei da página 50, mas sei que, embora atice a curiosidade, ele cansa um pouco os sentidos.

Quem jamais cansa os nossos sentidos é Raymond Carver, o maravilhoso escritor norte-americano cuja antológica coletânea de contos estou lendo.  O conto Iniciantes, que dá o título ao livro, foi publicado pela primeira vez com outro título – “Do que estamos falando quando falamos de amor“ – e é uma pequena obra prima.  Como todas as histórias de Carver, fala de gente de verdade, por isso há alcoolismo, morte, inimizades, casamento destruídos e vidas sem sentido. Tão belo é o conto que o filme “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância”, do cineasta Alejandro González Iñárritu, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2015, desfia seu enredo enquanto os personagens estão montando a peça baseada nele. Já o conto “Tanta água tão perto de casa” é um incrível retrato da vida a dois e poderia se chamar “Como se desvendar a alma de uma mulher”, sob o ponto de vista masculino, naturalmente. Finda a leitura de Iniciantes  fica a sensação de que não há sentido na vida e de que “a morte é lugar nenhum”, como diz Raymond Carver.

Por fim, caro leitor, li outra vez “O deserto dos tártaros”, de Dino Buzzati, que conta a história de Giovanni Drogo, um jovem oficial que em busca de renome aceita ir para um quartel distante onde espera, em prontidão, a chegada dos tártaros, os inimigos que lhe permitirão mostrar seu heroísmo para assim alcançar a glória. E ali fica, imóvel, preso ao cotidiano à espera da celebridade. Só muito mais tarde, ele descobre que “os relógios andaram inutilmente” e que os tártaros não vieram. Mas então já sabe que a glória não tem importância alguma e que algo extraordinário inevitavelmente acontece na vida de todos os homens. E sorri.

Publicado no jornal A Tarde em 13/05/2022

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