Um projeto do governo de Jair Bolsonaro que pretende liberar a mineração em terras indígenas entrou no radar do Congresso com a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia. O conflito trouxe à discussão a dependência do Brasil da importação de fertilizantes.
Esta reportagem responderá às seguintes questões :
Na sexta-feira (4), a Rússia recomendou que os produtores de fertilizantes do país suspendam as exportações por causa dos problemas de logística provocados pela guerra. Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o Brasil não está incluído na recomendação de suspensão, mas, mesmo assim, não há como receber os insumos russos devido à falta de meios para transporte dos produtos em razão das sanções econômicas impostas à Rússia.
Com a justificativa de suprir a possível falta de fertilizantes, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que pediu urgência na tramitação da proposta que libera a mineração em terras indígenas. O objetivo, segundo ele, é permitir que reservas de potássio possam ser exploradas nesses territórios a fim de se garantir a produção de fertilizantes para o agronegócio. Até esta terça-feira (8), o requerimento de urgência ainda não tinha sido oficialmente protocolado no sistema da Câmara, mas há parlamentares que apostam na votação do pedido ainda na sessão desta quarta-feira (9).
Além de regras para mineração em terras indígenas, o texto também estabelece normas para exploração de hidrocarbonetos, como petróleo, e a geração de energia elétrica nestes territórios. O projeto está entre os alvos do Ato pela Terra, manifestação de artistas liderada pelo cantor e compositor Caetano Veloso, programada para esta quarta-feira (9) em Brasília, e que denuncia uma série de propostas consideradas um “pacote de destruição” ambiental. A proposta de mineração em terra indígena é criticada pela oposição e por deputados da frente ambientalista, que veem riscos às comunidades indígenas e tradicionais e consideram o texto inconstitucional.
O texto propõe regras para a mineração, exploração de hidrocarbonetos, como petróleo, e a geração de energia elétrica em terras indígenas. A proposta chegou à Câmara em fevereiro de 2020, mas ainda não tem relator designado. Cabe a ele elaborar um parecer sobre o projeto, que deverá sofrer mudanças de conteúdo de acordo com sugestão de parlamentares. O projeto também abre a possibilidade de as aldeias explorarem as terras em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo. A exploração mineral e hídrica está prevista na Constituição Federal, mas nunca foi regulamentada.
Conforme o texto, são condições para a mineração e a exploração do potencial hidrelétrico em terras indígenas:
O texto estabelece ainda que deverá ser feito um estudo técnico prévio para avaliar o potencial de exploração da terra indígena.
O projeto autoriza que o estudo seja feito ainda que haja processo de demarcação de terras indígenas em curso. Concluído o estudo, caberá ao governo decidir quais áreas são adequadas para a exploração. Conforme a proposta, caberá à Fundação Nacional do Índio (Funai) intermediar a interlocução do órgão ou entidade responsável pelo estudo técnico com as comunidades indígenas.
Ainda, segundo o texto, o presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional um pedido de autorização para a exploração das terras indígenas. O projeto autoriza o encaminhamento do pedido, mesmo contra a vontade dos indígenas. De acordo com o texto, “o pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado”. Se a terra indígena estiver em área de segurança nacional ou na fronteira, o Conselho de Defesa Nacional deverá ser ouvido antes do encaminhamento do pedido de autorização ao Congresso Nacional.
O pedido de autorização deverá incluir:
manifestação do Conselho de Defesa Nacional, na hipótese de a terra indígena estar situada em área indispensável à segurança do território nacional ou em faixa de fronteira.
Após a autorização do Congresso Nacional, as áreas de exploração em terra indígenas serão licitadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). As áreas poderão ser outorgadas (sem licitação) para garimpo em zonas previamente definidas pela ANM, desde que os indígenas concordem. As comunidades terão prazo de 180 dias para decidir se querem fazer garimpagem por conta própria na área ou se associar a não indígenas para fazer o trabalho. Se não houver interesse, terão o mesmo prazo para concordar ou não com a garimpagem de não-indígenas na área.
O texto prevê percentuais a serem pagos às comunidades indígenas afetadas a título de participação nos resultados:
em caso de aproveitamento de energia hidráulica, 0,7% do valor da energia elétrica produzida, a serem pagos pelo titular da concessão ou da autorização para exploração de potencial hidráulico;
na hipótese de lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, entre 0,5% e 1% da produção de petróleo ou gás natural, a critério da Agência Nacional do Petróleo;
na hipótese de lavra dos demais recursos minerais, 50% do valor da compensação financeira pela exploração de recursos minerais.
O dinheiro será repassado a conselhos curadores, que serão responsáveis pela gestão e governança dos recursos financeiros. Cada conselho deverá ser composto de, no mínimo, três indígenas. A proposta fixa ainda uma indenização pela restrição ao usufruto de terras indígenas e serão devidas às comunidades afetadas em razão de:
A forma de cálculo da indenização deverá considerar o grau de restrição do usufruto sobre a área da terra indígena ocupada pelo empreendimento.