No dia 25 de janeiro, a Revolta dos Malês completou 187 anos. No alvorecer desse dia, em 1835, mais de 600 homens negros, e algumas mulheres, – todos vestidos com batas brancas e e armados com facões, parnaíbas e alguns bacamartes – tomaram de assalto as ruas da cidade do Salvador, naquele que foi o primeiro levante de escravos em área urbana no Brasil. Foi um evento emblemático na luta pela libertação dos escravos e tornou-se uma insígnia contra a escravidão.
Apesar disso, nenhum dos grandes jornais ou revistas do país, com exceção de A Tarde, fez sequer referência ao evento, embora para a libertação dos escravos o episódio tenha, guardada as proporções, tanta importância quanto a Inconfidência Mineira para a Independência do Brasil. Felizmente, a historiografia brasileira e baiana tem se ocupado do tema e são muitos e de qualidade os livros publicados sobre o assunto. Não era para menos, a revolta é um elogio a capacidade de organização e de estratégia dos negros que viviam no Brasil e que foram capazes de esquematizar uma insurreição em detalhes, mapeando os sítios que seriam atacados, definindo objetivos, arregimentando combatentes, comprando armas e uniformes e criando uma espécie de banco que financiou a revolta.
Os negros revoltosos eram muçulmanos, alfabetizados e cultos, e tinham como objetivo, além da libertação dos escravos, a disseminação do aprendizado da língua árabe e da religião do Profeta. Mas ainda há muito a ser desvendado, a começar pelo papel de Luiza Mahin, que teria sido uma das líderes da rebelião e tornou-se uma heroína na história negra do Brasil, mas que não tem sua existência historicamente comprovada. Além disso, não se sabe como se estabeleceu um caráter ecumênico na revolta, pois, embora liderados por muçulmanos, dela participaram negros das diversas etnias que habitavam a cidade do Salvador e que professavam a religião dos Orixás, em uma conjunção improvável e ainda hoje sem explicação.
No meu livro, Luiza Mahin, vali-me da licença poética e, tomando como base a história oral da cidade da Bahia, fiz dela, aquilo que ela provavelmente foi: uma liberta alfabetizada, exímia quituteira e que amou negros e brancos e o líder islâmico de nome Ahuna, tornando-se o elo de ligação entre os muçulmanos e as outras etnias. Luiza é um símbolo da luta pela liberdade.
Do mesmo modo, é cheio de simbologia a atuação dos negros na rebelião, pois, embora controlando parte da cidade e com acesso às casas do senhores de engenho, eles se recusaram a agredir homens, mulheres e crianças brancas e concentraram todos os seus ataques em sítios militares que defendiam a estrutura do estado escravista. Luiza Mahin já está na memória afetiva dos brasileiros e a Revolta dos Malês precisa ser lembrada sempre, como um episódio de importância fundamental na História do Brasil.
Publicado no jornal A Tarde em 04/02/2022