quinta, 28 de março de 2024
Euro 5.4105 Dólar 5.0163

RAUL SEIXAS E O PENSAMENTO BINÁRIO – ARMANDO AVENA

admin - 07/01/2022 11:13

Na minha primeira crônica de 2022, quero convidar o leitor a renegar a visão binária do Brasil e do mundo.  O pensamento binário é aquele que dualiza tudo, que simplifica a vida usando a fórmula “é isto ou aquilo” e tenta enquadrá-la num algoritmo simples: é branco ou preto, homem ou mulher, bom ou mal e assim sucessivamente, sem admitir nuances. Esse pensamento é paralisante e retrógrado e apequena a vida, reduz o espaço das possibilidades e da criação humana e esquece, como disse  Ortega y Gasset, que “o homem é o homem e a sua circunstância”, no sentido de que está imerso no mundo ao seu redor e só assim seus pensamentos e atos podem ser compreendidos.

O pensamento binário tem como base a religião, mais especificamente o maniqueísmo, que pregava a existência de dois princípios opostos: o bem e o mal. Se teologicamente a tese é uma bobagem, quando transposta para o mundo real torna-se extremamente perigosa, pois antagoniza e condena quem se distancia dessas categorias absolutas. Esse pensamento está na raiz da homofobia, da tese de que bandido bom é bandido morto e de outras atrocidades que são cometidas em nome de uma inexistente e perfeita dicotomia entre o bem e o mal. O pensamento binário quer lhe obrigar a tomar partido, ser contra ou a favor de alguma coisa, sem perceber que a realidade é composta de nuances e que é possível ser contra e a favor de algo ao mesmo tempo, estabelecendo condições e variações e relativizando o que se analisa.

Em 2022 quero convidar todos a renegar esse pensamento binário e dizer que as vezes é preciso mudar o ângulo pelo qual vemos as ações e as emocões, olhando-as com a visão dos camaleões, uma visão estereoscópica que permite  enxergar um mesmo fato de maneira profunda, analisando-o em toda a sua complexidade. Raul Seixas, por exemplo, era avesso ao pensamento binário, preferia ser uma “metamorfose ambulante”. Conta-se que em certo momento Raul precisou usar óculos, mas não gostou do apetrecho, talvez, penso eu, por ele ter tornado tudo à sua volta muito certinho. Ficou meio cabreiro, até que resolveu tomar banho sem tirar os óculos do rosto e descobriu que o mundo ficava maravilhosamente diferente assim, todo chuviscado.

O nosso Raulzito buscou um novo ângulo para observar a realidade.  A mim, que sou míope, aconteceu algo semelhante: uma noite  tirei os óculos na rua e segui caminhando e, de repente, as luzes perderam a forma e o mundo ficou com um colorido borrado, feérico: eu tinha um outro mundo dentro de mim e não via porque me recusava a tirar os óculos. Pois bem, espero que em 2022 todos os brasileiros  possam ver o país por outro ângulo, tirando os óculos da mesmice e do clichê, rompendo as amarras do pensamento binário e recusando-se a ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Publicado no jornal A Tarde em 07/01/2022

 

Copyright © 2023 Bahia Economica - Todos os direitos reservados.