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ADARY OLIVEIRA – VIVENDO E APRENDENDO

Redação - 06/12/2021 10:00

É verdadeira a afirmação de que quando mais se vive mais se aprende. Eu estou me aproximando dos 80 anos de idade e a cada dia aprendo uma coisa nova nesse mundo de meu Deus. No início dos anos 1950, durante minha infância em Ruy Barbosa, fora do que eu aprendia no curso primário do Grupo Escolar, tinha uma enormidade de professores bem perto de minha casa na Rua Nova e eu ficava apreciando o fazer de cada um deles com uma curiosidade imensa, como se estivesse a escolher a minha profissão. A maioria dessas profissões não existem mais ou, se existem, é em ambientes restritos onde poucas pessoas são ocupadas.

Um desses profissionais que eu mais admirava era o seu Antônio, o melhor relojoeiro da cidade. Não tinha relógio que ele não conseguisse consertar. Certa vez o relógio de bolso de meu pai parou de funcionar e o relojoeiro que ele procurou para consertar em Salvador disse que não tinha mais jeito, que pudesse jogar fora. Seu Antônio consertou o Patacho que nunca mais parou de funcionar. Seu Antônio construiu sua casa defronte da minha, ele e um ajudante. Ergueu a fundação de pedras, subiu as paredes com tijolinhos, fez o telhado com telhas portuguesas, fabricou e assentou portas e janelas e, como se não bastasse, confeccionou os móveis de madeira, com lindas peças rajadas de vermelho de sebastião de arruda. Além de relojoeiro ele era pedreiro, carpinteiro, marceneiro, projetista, um verdadeiro artista. Para seu filho Manoel ele construiu um carro de caixão movido a mecanismo de relógio. Era um brinquedo de dar inveja, e como funcionava bem!

Quase defronte da casa de seu Antônio ficava a funilaria de seu Sérgio. Com folhas de flandres tiradas de latas ele fazia candeeiros e fifós de gás (querosene), consertava panelas, bacias e pinicos e tudo o mais que seus clientes desejassem. No dia da feira, aos sábados, ele colocava ferradura nos cascos dos cavalos e burros. Tinha um jeito especial de ajeitar a pata do animal em sua coxa e usava pregos quadrados para fixar o artifício que duraria muitos meses. A fila dos quadrúpedes na porta de sua casa era imensa e a freguesia aumentava a cada semana. Eu gostava de apreciar sua arte. Bem perto dali, num beco paralelo à Rua do Curral, trabalhava outro artesão, mestre em seu ofício. Seu Zé Ferreira fabricava por encomenda os ferros de marcar o gado. Números, letras, desenhos e tudo omais que lhe encomendassem. No forno ele colocava carvão, acendia o fogo, soprava com fole e quando o ferro estivesse em brasa golpeava-osobre uma bigorna com uma marreta. Eu passava horas vendo seu Zé trabalhando. Ele não trabalhava aos sábados, aproveitava para tomar uma caninha, pois ele, apesar do nome, não era feito de ferro.

Na mesma Rua do Curral, lá no final, ficava o mestre Josué, pai de meu amigo Zú, que o substituiu na sua tenda de marceneiro.Seus móveis eram uma perfeição. Bem perto, na transversal Rua Franz Wagner, ficava a padaria de seu Gouveia. O melhor pão feito em fogão à lenha da região. O nome da rua era de um engenheiro alemão que viveu na Chapada Diamantina num lugar chamado Cachoeirinha, bem perto de Ponte Nova e que hoje chama-se Wagner, para também homenageá-lo.Franz era famoso na região por ter socorrido flagelados da seca de 1897.

Nas proximidades encontrava-se os sapateiros Ângelo e Meca, o cabeleireiro Edésio, os alfaiates Gervásio e Mota, o fabricante de fumo de corda Benjamim, o celeiro Adenor, o pastor protestante e dono de uma saboaria Corinto, os comerciantes atacadistas Zé Braga e Samuel e meu pai Arquimedes que comprava mamona, pó de palha, ouricurí, farinha de mandioca, fumo (tabaco) em folhas, milho, feijão, produzidos na região e os revendia em Salvador. A torrefação de café de seu Alcides, também ficava por ali, na rua da Ingazeira, espalhando pelo bairroo aroma de seu café escaldado com rapadura.

Quando vim para Salvador cursar o ginásio descobri outras profissões. Aprovado no vestibular de engenharia em 1962 escolhi o Curso de Química, influenciado pela montagem da pequena planta de amônia e ureia do Conjunto Petroquímico da Bahia (COPEB), denominada atualmente de Unigel Agro Bahia. Presto serviços de engenheiro químico como integrante da administração da Unigel Química, compondo o Conselho Consultivo Agro (CCA) do segundo maior grupo químico e petroquímico do País. Continuo vivendo e aprendendo.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

 

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