O ministro Paulo Guedes (Economia) quer tentar retomar a negociação de prioridades da pasta com outros Poderes, em meio à crise institucional provocada pelo presidente Jair Bolsonaro. O objetivo é costurar um acordo que viabilize a expansão do Bolsa Família. Para isso, Guedes busca aprovar no Congresso a flexibilização do pagamento em 2022 de R$ 89,1 bilhões em precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça). O ministro tenta, com as discussões, abrir espaço orçamentário para medidas como o Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família.
A tentativa de novas conversas é feita em meio a incertezas sobre como fica a agenda da pasta devido ao ao ambiente político tumultuado, embora publicamente a nota de apaziguamento de Bolsonaro seja usada para dizer que “tudo voltou aos trilhos”. Há temor citado na equipe econômica de que a PEC (proposta de emenda à Constituição) enviada pelo governo ao Congresso para parcelar os grandes precatórios e economizar R$ 33,5 bilhões em 2022 pode não conquistar votos suficientes.
Articuladores citam o fato de PECs demandarem apoio de três quintos dos parlamentares (ou seja, de 49 senadores e 308 deputados). A última de interesse do Executivo votada no Congresso, a do voto impresso, foi barrada na Câmara por obter 79 votos aquém do necessário —mesmo sendo defendida pessoalmente por Bolsonaro. No caso dos precatórios, a PEC tem enfrentado resistência entre a oposição e também entre parte dos especialistas que apontam inconstitucionalidade da matéria. Eles afirmam que o texto fere cláusulas pétreas da Carta Magna –o que o governo nega.
Diante das resistências, uma nova PEC passou a ser sugerida pelo vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). A ideia é tirar precatórios do teto de gastos, mas o Ministério da Economia resiste à solução. Já uma saída via Judiciário, que não era um consenso na Corte antes, ficou ainda prejudicada pelas ameaças de Bolsonaro ao STF no 7 de Setembro. Interlocutores do Judiciário intensificaram o discurso de que o caminho não deve ser dado pelo Tribunal.
A posição foi reforçada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em entrevista à Folha. “Não me parece que sejamos nós o ‘locus’ desse tipo de questão, de maneira inicial”, afirmou, dizendo que a Corte deve analisar o assunto posteriormente no caso de um questionamento sobre a solução encontrada. Guedes confirmou a interferência do 7 de Setembro nas negociações. “Eles [STF] estavam nos ajudando, quando veio esse barulho [ameaças de Bolsonaro]. E agora estamos de volta ao mesmo lugar de antes”, afirmou Guedes na sexta-feira (10) a investidores.
Se ficar sem a flexibilização nos precatórios, o governo vai ter que encontrar outra maneira de acomodar despesas no Orçamento e se aproxima de um estouro mais flagrante da regra do teto de gastos (que tem como objetivo impedir o crescimento real das despesas federais). O chefe da equipe econômica sinalizou que iria conversar com Congresso e STF para encontrar uma solução para os precatórios nesta semana. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou neste domingo (12) que não havia ainda conversa agendada.
“A reunião ainda não está marcada, mas é muito importante que aconteça a evolução da solução do problema dos precatórios. É um problema grave que enfrentamos e precisa ser solucionado pelos Poderes”, afirmou Pacheco. Guedes não desistiu de uma saída via Judiciário, por considerá-la mais rápida e simples do que a PEC no Congresso e por ver a saída como segura juridicamente. Ao mesmo tempo, governo e aliados passaram a usar nas últimas semanas (e durante o fim de semana) uma espécie de pressão sobre o STF para que ele respalde uma solução, sob pena de a Corte ficar com a imagem de quem barrou recursos para os mais necessitados.
Na equipe econômica, o mesmo tipo de estratégia é usado de maneira mais sutil. De acordo com essa visão, o respaldo do STF diminuiria a sensação entre apoiadores de Bolsonaro de que a Corte não colabora com o presidente —e, por isso, um acordo ajudaria em uma pacificação. Além dos precatórios, pressiona a equipe econômica a fatura com a inflação. O projeto de Orçamento de 2022 foi enviado com uma estimativa de 6,2% para o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), mas o fechamento ao fim do ano é que vai determinar o reajuste de despesas obrigatórias.
Os preços continuam subindo no país e, como cada ponto percentual acima do projetado eleva os gastos em 2022 em aproximadamente R$ 8 bilhões, já se fala no governo em uma despesa de R$ 16 bilhões a R$ 18 bilhões acima da projetada na proposta de Orçamento. Ainda é preciso acomodar os números do Bolsa Família, já que o governo demanda até R$ 20 bilhões para o programa social –conforme sinalizado há meses. Mas a proposta de Orçamento para 2022 já está no limite do teto de gastos, mesmo com dados defasados de inflação e sem expansão para o programa social.
Em seguida na lista das prioridades de Guedes está a proposta do governo que altera o Imposto de Renda. Ela foi aprovada pela Câmara e agora depende do Senado, que sinaliza resistências ao texto. Para pressionar o avanço dos temas, governo e aliados começaram a subir o tom da argumentação afirmando que as medidas são necessárias para os mais pobres da população. O discurso tanto do governo como de aliados no Congresso é que quem se opor às propostas ficará contra os mais necessitados e a justiça social no país.
De acordo com o defendido por essas pessoas, seria preciso aprovar o projeto do Imposto de Renda para corrigir a tabela das pessoas físicas, elevar o teto de isenção e taxar dividendos; já a flexibilização dos precatórios abriria espaço orçamentário para um Bolsa Família turbinado. Esse tipo de argumentação, no entanto, ignora (no caso do Bolsa Família) que o governo e o Congresso poderiam ter aberto espaço orçamentário dentro do teto de gastos de outras maneiras –como em um esforço para revisar e cortar despesas em outras frentes.
A agenda econômica tem mais conforto na Câmara, que inclusive já aprovou diferentes medidas de interesse do Executivo –como a proposta do Imposto de Renda, uma minirreforma trabalhista e a privatização dos Correios. Líder do governo na Casa, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirmou que o ambiente continuará favorável. “Vamos votar tudo”, disse nos últimos dias.
Grande parte dos temas, inclusive, já foi votada pela Casa. Das grandes reformas, restaria a administrativa (que altera regras para servidores) –mas ela não é mais vista como prioridade nem pela equipe econômica. No Senado, a situação é mais delicada. Já havia reclamações no governo antes do 7 de Setembro sobre a falta de apoio e os trabalhos da CPI da Covid. A minirreforma trabalhista defendida pelo governo foi derrotada, gerando reclamações no Executivo. Além disso, Pacheco defende que a reforma tributária seja feita por meio de um texto amplo de autoria do Senado, sinalizando resistência ao projeto do Imposto de Renda aprovado pela Câmara e defendido pelo governo.
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