As faculdades privadas de Salvador estão matriculando menos pessoas do que em 2021. A queda no número de alunos é de 25% em comparação com o início do ano de 2020, segundo levantamento da Associação Baiana de Mantenedoras do Ensino Superior (Abames). A crise financeira gerada na pandemia, o atraso no calendário acadêmico de escolas de ensino médio e a ausência de políticas de financiamento estudantil são apontadas como as principais razões desse índice.
“Os indicadores apontam que não houve só alunos perdidos, mas também a falta de novos estudantes. As pessoas estão sem renda, sem perspectiva e há o pânico gerado pela pandemia, que contribui com essa evasão”, disse Carlos Joel, presidente da associação e reitor do Centro Universitário Unirb. Lá também foi observado essa queda de matrículas. “Eu posso falar de forma direta do nosso caso: houve queda em 25% no número de matrículas e isso tem sido a média das outras instituições”, afirma.
O número exato de alunos matriculados em 2021 nas faculdades privadas ainda não foi fechado, já que a admissão de novos estudantes pode seguir até março, de acordo com o calendário acadêmico. No entanto, essa redução já é sentida em fevereiro. “As faculdades estão tentando ao máximo negociar, enxugar mensalidade e dar melhores condições de pagamento. Mas mesmo com todas as tentativas, o panorama permaneceu. Há uma necessidade de políticas públicas que ajudem a lidar com esse problema”, defende Joel.
Essa queda no número de alunos acontece num momento que o mercado de educação superior privado da Bahia estava em alta, com um crescimento a uma taxa média anual de 3,9% em 2019, segundo a Abames. Nessa época, cerca de 338 mil pessoas estavam matriculadas em algum curso de nível superior, segundo o Inep. Os dados de quantos alunos estavam matriculados em 2020 só serão divulgados com o Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Inep. Esse estudo referente ao ano passado ainda não foi publicado.
Faculdades
O Correio entrou em contato com outras 11 instituições de ensino superior baiana para comentar o dado: UniFTC, Unime, Unopar, Pitágoras, Unifacs, Area 1, UniRuy, Unisba, 2 de Julho, Unijorge e a Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Dessas, somente a Faculdade 2 de Julho (F2J) respondeu. Lá o número de matriculas realizadas em 2021 ainda não foi fechado, mas durante 2020 houve uma evasão de 50% dos alunos.
Para lidar com esse problema, a F2J instituiu inúmeras campanhas para negociação de dívidas com descontos que chegaram a 50% do valor das parcelas da semestralidade. De acordo com o diretor Marcos Baruch, cada caso está sendo avaliado individualmente, buscando as melhores soluções. “Reconhecemos as dificuldades enfrentadas pelas famílias nesse momento, por isso mesmo, nossos esforços estão voltados para garantir a formação dos estudantes da melhor forma possível sem comprometer a viabilidade da instituição”, completa.
Essa opção de negociar individualmente com cada aluno é uma saída bem vista pelo presidente da Abames. “É importante nesse momento promover ações diretas com os estudantes e motivações individuais. Mas isso sozinho não vai resolver o problema. Precisamos de políticas públicas que garantam o acesso das pessoas ao ensino superior”, defende Carlos Joel.
Exemplos
Quando a estudante Maria Antonia Motta tinha 17 anos e escolheu entrar na Faculdade Baiana de Direito, não imaginava que iria enfrentar no meio da graduação uma pandemia. A adaptação às aulas a distância não foi fácil e, segundo a jovem, a insistência da instituição em não reduzir o valor da mensalidade contribuiu para que ela trancasse o curso de direito. “Eu tranquei na expectativa da vacina chegar logo ou de retornar as aulas presenciais. Também fiquei trabalhando numa lojinha de acessórios. Quero retornar, mas quando a pandemia passar. Eu acho que sem pandemia será o cenário o ideal”, disse a jovem de 20 anos, que parou o curso no quinto semestre. “Foi difícil desenvolver uma rotina dentro de casa no meio de todo esse caos. Tem gente que consegue, eu admiro, mas cada um tem seu ritmo. Essa pausa está sendo importante”, justifica.
A mesma dificuldade em se adaptar ao EAD foi o fator levado em conta pelo estudante Breno Reis Caldas, 22 anos, em trancar seu curso de engenharia elétrica no Centro Universitário Estácio da Bahia. “Eu entrei na faculdade em 2020, cheguei a ter um mês de aula presencial e a pandemia parou tudo. Concluí o primeiro semestre, mas o segundo foi mais complicado. Não consegui me adaptar ao formato EAD e preferi trancar para quando voltasse o presencial”, conta. A saída para o rapaz não ficar parado foi investir em um curso técnico de eletromecânica, que ele pretende usar como alternativa para entrar no mercado de trabalho. “Eu já tinha feito o curso de eletrotécnica e vi que o Senai estava dando desconto nas matrículas e mensalidades. Estava mais viável. O curso técnico é algo mais prático e promissor, mas pretendo no futuro concluir a graduação também”, garante.
Para Carlos Joel, esse fenômeno de trocar a graduação pelo curso técnico é algo que acontece pela dificuldade do acesso dos estudantes ao ensino superior. Ele avalia que isso pode ser um risco para a profissionalização do país. “Sem políticas públicas voltadas ao ensino superior, pode-se criar uma elite que vai poder pagar e uma grande parcela que precisa se profissionalizar, mas não consegue, pela questão financeira. São pessoas que terão que focar em curso técnico, que é mais rápido”, argumenta.
Mensalidade
Embora sejam orientadas a renegociarem as mensalidades, as universidades não são obrigadas a conceder desconto, independente do retorno das aulas presenciais. Uma lei no estado, de autoria do deputado estadual Alan Sanches (DEM) e sancionada pelo governado Rui Costa (PT), chegou a ser aprovada permitindo os descontos para escolas e faculdades privadas, mas em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgou inconstitucional.
O Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) também chegou a acionar a justiça para que algumas universidades baianas fossem obrigadas a reduzir mensalidade. No entanto, para Carlos Joel, o caminho da obrigação não é o ideal. “O estado precisa pensar em alternativas de financiamento estudantil adequadas, por exemplo. O Fies precisa retomar a como era antes, como uma perspectiva de retorno para o estado. Hoje o programa é tratado apenas como uma forma de operação bancária, que não leva em conta os interesses do país e da sociedade”, desabafa. A Associação Baiana de Mantenedoras do Ensino Superior (Abames) diz representar 112 faculdades, sendo um pouco mais de 40 em Salvador.
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