Bom, não posso dizer que nunca senti um aroma de cereja ou um leve toque de madeira ao girar o vinho em uma taça de cristal, mas já fiz muito esforço em vão tentando identificar um sutil toque de pimenta ou de castanha assada. Claro, não sou um sommelier e longe de mim qualquer intenção de sê-lo, mas gosto daquela que é a bebida do deuses, afinal “o vinho alegra o coração do homem”, diz o salmo bíblico.
Aprendi a apreciar o vinho ainda muito jovem quando vivi em Santiago do Chile. Lembro da primeira vez que entrei em uma enoteca e fui brindado com uma inesquecível degustación. Tão raro era o vinho que indaguei seu valor, para então ouvir o sommelier dizer: “Señor, el vino no tiene valor.” Já então eu me havia afeiçoado ao cabernet sauvignon chileno e quando me foi dado provar um Marquês de Casa Concha e depois um Cousiño Macul especial a paixão foi avassaladora.
E nada muito caro, que paixão baseada no dinheiro não tem graça. O gosto pelo vinho chileno foi duradouro, mas não era amor verdadeiro, por isso foi inevitável o affair com os vinhos franceses e foi bom descobrir que, embora amando o Bordeaux, o Borgonha sabia mais ao meu paladar. Já então, o vinho português me havia cativado, especialmente o Esporão – Private Selection, com o rótulo que a semelhança do vinho era uma obra prima, e depois vieram os poderosos espanhóis da região de Rioja.
Um dia enamorei-me dos vinhos italianos, percebi que o Barolo levava-me ao céu e que o Brunello di Montalcino parecia estar sendo servido no Paraíso. Descobri então que meu gosto pelos vinhos italianos era atávico. Como nada é perfeito, diferente dos encorpados chilenos, nos sofisticados vinhos italianos a paixão só pode ser alcançada dispendendo-se um soma expressiva. Há entre os italianos gratas surpresas, mas é recomendável, pelo menos para os iniciantes, que no rótulo venha gravado a sigla DOCG – Denominação de Origem Controlada e Garantida para assim ter-se a garantia de origem e qualidade.
O sommelier que me seguiu até aqui deve estar indignado com esse amador que se atreve a colocar a descendência como fator determinante no gosto pelo vinho, mas, nesse caso, quedo-me na mãos de um grande romano, o poeta Virgílio que dizia: “cada qual tem um gosto que o arrasta”.