Em artigo integrante do livro “Geopolítica do alimento: o Brasil como fonte estratégica de alimentos para a humanidade”, editado pela EMBRAPA, o Professor Alexandre Mendonça de Barros, da FGV, define três atributos ou componentes estruturais para a análise do posicionamento estratégico das principais agriculturas no abastecimento mundial.
No primeiro atributo , são listados os países com população urbana superior a 80 milhões de habitantes; o segundo inclui as economias com PIB superior a 1 trilhão de dólares; no terceiro componente , são apresentados os países com área agrícola acima de 30 milhões de hectares. Assim, é possível situar o papel de cada agricultura no comércio mundial de alimentos e commodities agrícolas. A análise a seguir se baseia largamente no raciocínio do renomado professor acima citado.
Somente 5 países possuem os 3 atributos simultaneamente, ou seja, população elevada. grande PIB e e extensa área agricultada. São eles: EUA, China, Índia, Brasil e Rússia. As 4 principais agriculturas do mundo se encontram neste universo.
EUA e China ocupam os dois primeiros lugares, com 400 milhões de toneladas de grãos cada um. Os EUA produzem 40 milhões de toneladas de carnes e a China, 72 milhões de toneladas. A Índia ocupa a terceira posição, com 300 milhões de toneladas de grãos, mas detém uma posição modesta no complexo carnes, com 10 milhões de toneladas. O Brasil é a quarta agricultura do mundo , com 250 milhões de toneladas de grãos , mas uma produção expressiva de carnes, na casa de 28 milhões de toneladas, em trajetória crescente. Não deve demorar para alcançarmos o terceiro lugar. Somos, portanto, uma potência agrícola internacional. Por termos uma população pequena em relação à China, produzimos para o mercado interno e também para um universo de mais de 180 países.
Conquanto seja o maior produtor agrícola do planeta, a China tem um contingente populacional sete vezes maior que o Brasil, tem escassos recursos naturais aptos para a agricultura e vivencia um intenso processo de urbanização, tornando-se, portanto, um importante importador de alimentos, rivalizando nesse ponto com o Japão. Vejamos sucintamente as mudanças no comércio mundial de alimentos nas últimas décadas.
Em 1990, o Japão já detinha o maior déficit comercial agrícola, com 47 bilhões de dólares; a Europa ostentava o segundo deficit comercial setorial, com 34 bilhões de dólares; Coreia do Sul e Oriente Médio vinham a seguir , com deficits de 7 de bilhões de dólares. A China era levemente superavitária, com 2 bilhões de dólares. EUA, Brasil e Argentina tinham superavits comerciais agrícolas de 19 bilhões , 7 bilhões e 7 bilhões de dólares, respectivamente.
Em 2017, quase 30 anos depois, esse panorama mudou radicalmente, e nitidamente a favor do Brasil, conforme os dados a seguir.
A China passou a apresentar um déficit comercial agrícola de 105 bilhões de dólares, superando a posição japonesa, agora com 68 bilhões de dólares; o Oriente Médio assiste o seu déficit aumentar de 7 para 57 bilhões de dólares. A Europa segue importando alimentos , mas o seu deficit se reduziu de 34 para 5 bilhões de dólares, sendo que parte de suas importações de alimentos tem sido suprida em grau importante pelos países do leste europeu. Os EUA perdem posição como grande abastecedor mundial de alimentos e o Brasil alcançou um superavit comercial agrícola de 75 bilhões de dólares , ante 33 bilhões de dólares registrados pela Argentina. No ano passado , o nosso saldo comercial agropecuário atingiu a marca de 83 bilhões de dólares.
As implicações para o comércio agrícola parecem óbvias. O Brasil é grande protagonista como supridor mundial de alimentos e a China, Ásia (exceto China ) e Oriente Médio despontam como os grandes mercados em expansão a serem conquistados , mantidos e ampliados. A China abocanha hoje mais de 35% de nossas exportações agropecuárias, ante modestos 4% observados no ano 2000. O Oriente Médio absorve atualmente algo como 13% de nossas vendas externas setoriais, ante 8% no ano 2000. E o continente asiático (exceto a China) passou de uma participação de 13% para 19% de nossas exportações agrícolas no período 2000 a 2017. A Europa importa 19% de nossas vendas externas de alimentos (em 2000, essa parcela europeia era de 57%), e os EUA seguem com algo como 5 a 6%.
Portanto, nossos esforços, sem desprezar o mercado europeu e os EUA, devem se concentrar na China , Ásia, com destaque para Singapura, Hong Kong, Indonésia e Malásia, e no mundo árabe, aqui com ênfase maior nos Emirados Árabe, Arábia Saudita e Irã. Esforços de acesso aos mercados do México e do Canadá devem ser também levados a efeito. Vale a pena uma leitura do livro acima mencionado.