Emile Rodrigues não mede esforços para definir as dificuldades que enfrenta para estimular o filho Theo, 8 anos, a manter a rotina de estudos remotamente: “muito difícil. Um inferno. Desesperador. Estressante. Tem horas que eu não aguento mais”. E pode ser que essa agonia continue. Isso porque o Conselho Nacional da Educação (CNE) aprovou na última terça-feira (7) um parecer que tem orientações para a retomada gradual de aulas e atividades presenciais. No entanto, o que se destaca no documento é que a presença do ensino à distância será necessária até 2021, no mínimo. O parecer completo ainda não foi divulgado e precisa de homologação do Ministério da Educação (MEC).
O texto do documento aponta 14 pontos que descrevem o que é necessário durante o planejamento da volta às aulas presenciais em todo o país e foi organizado a partir de uma colaboração entre o Ministério da Educação e entidades como União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME) e o Fórum da Entidades Educacionais. A ideia de seguir com o ensino remoto preocupa bastante Emile. A mamãe aponta que Theo enfrenta muita dificuldade para se concentrar e não consegue dar conta do volume de exercícios e conteúdo passado pelos professores na tentativa de diminuir o prejuízo pedagógico que as crianças estão enfrentando.
“Eu já pensei em cancelar a matrícula dele neste ano, mas é algo que não dá para fazer. Prefiro nem pensar que a situação será assim porque realmente é muito difícil. Acaba sendo uma situação muito estressante pra mim e pra ele”, conta. Sem motivação, Emile conta que Theo sente ‘dores’ em tudo quando é lugar para não se dedicar aos estudos. “Ontem mesmo ele disse que não tinha como ler uma das atividades porque estava com dores na língua”, conta. Ciente das dificuldades enfrentadas por seu filho, que está na 3ª Série do Ensino Fundamental, Emile alega que entende a confusão que se passa na cabeça da criança durante esse período.
“Até a letra dele mudou, é nítido o quanto ele está desmotivado. Na cabeça da criança a casa é um lugar de descanso, de fazer outras atividades para além das que ele fazia na escola, perto dos colegas e com os professores, que são profissionais que sabem como lidar com cada situação que nós que somos mães às vezes não sabemos como dar conta”, diz. Pelo menos no texto, há uma preocupação em entender as diversas implicações de um ensino remoto. O parecer aponta que é preciso levar em consideração fatores como “as diferenças no aprendizado entre os alunos que têm maiores possibilidades de apoio dos pais” e “as diferenças observadas entre os alunos de uma mesma escola em sua resiliência, motivação e habilidades para aprender de forma autônoma online ou off-line”.
Procurada, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) informou em nota que ” está avaliando criteriosamente o parecer com orientações para a retomada gradual de aulas e atividades pedagógicas presenciais”. “Antes mesmo do parecer do CNE, a SMED já incluiu em seu planejamento alguns pontos como o atendimento aos protocolos sanitários nacional e local, a formação e capacitação de professores e funcionários, flexibilização acadêmica, considerando a possibilidade de planejar um continuum curricular 2020-2021”, disse a Smed.
Representante do Grupo de Valorização da Educação (GVE), uma entidade ligada a escolas particulares de Salvador e Região Metropolitana, Wilson Abdon acredita que o retorno às aulas presenciais será muito complexo e que atualmente as instituições buscam ao menos uma previsão de quando essa volta acontecerá para se preparar adequadamente. Abdon aponta que a logística dessa retomada será muito complicada e demanda treinamento de funcionários para saber como executar a devida higienização dos ambientes, aquisição de materiais e pontua que todo esse processo é oneroso em tempo, sendo necessário de 15 a 20 dias para concluir a preparação, e dinheiro.
“Mesmo quando o retorno presencial for autorizado pela prefeitura e pelo Governo, sabemos que o primeiro modelo não será 100% presencial. Será preciso adotar um meio termo que chamamos de modelo híbrido e precisamos estudar qual a melhor forma de implantação”, conta. Segundo a GVE, as escolas estão percebendo um movimento de insegurança dos pais, na rede privada, de inicialmente não querer voltar às escolas com o medo do risco. E de acordo com Wilson Abdon, apesar das dificuldades de adaptação ao ensino remoto, boa parte das escolas está conseguindo se adequar e manter uma redução de aproximadamente 25% em relação à qualidade de ensino presencial. Essa avaliação é feita a partir das notas, apontamentos feitos por alunos, pais e professores.
“Contudo também é preciso pensar no ensino público. Hoje a Secretaria de Educação enfrenta dificuldades porque precisa prestar outros tipos de assistência aos alunos que não só a questão das aulas. Há outras necessidades, alunos que sequer têm acesso à internet para acompanhar remotamente e tudo isso faz crer que a desigualdade de ensino no Brasil como um todo após a pandemia irá crescer de forma substancial”, diz Wilson Abdon. “A desigualdade de ensino no Brasil como um todo após a pandemia irá crescer de forma substancial” – Wilson Abdon, representante do Grupo de Valorização da Educação.
Esse medo em relação ao futuro principalmente no que diz respeito às escolas públicas faz parte da realidade dos próprios alunos. Estudante do 2º Ano do Ensino Médio no colégio Arthur de Salles, em Campinas de Pirajá, Adelmo Gustavo fala bem sobre isso. Os alunos não têm obrigação de participar das aulas desde o dia 31 de março e desde então a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (Sec) disponibiliza no Portal da Educação (www.educacao.ba.gov.br), roteiros de estudos, com conteúdos para os ensinos Fundamental e Médio, Educação Quilombola, Indígena, de Jovens e Adultos e Educação Especial”.
Adelmo conta apenas com os dados móveis para acessar a internet e por isso não conseguiu mais estudar assuntos de matérias como português e matemática desde então. Dançarino e integrante de três grupos de Teatro, ele investiu seu tempo em leituras sobre a África. “Estou contando com ajuda de amigos e amigas para me mandar material de estudo, principalmente material sobre história africana. Os conteúdos da escola eu não tenho acesso porque não tenho Wi-Fi em casa”, conta. Sonhando em se formar como dançarino na Universidade Federal da Bahia, Adelmo, que tem 20 anos, não acredita que será possível passar para o terceiro ano. E, caso isso aconteça, diz que chegará com um déficit muito grande.
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