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WILSON F. MENEZES : MAIS TRABALHO INFORMAL COMO PROVA DE UMA NOVA DINÂMICA ECONÔMICA

Redação - 27/11/2019 08:15 - Atualizado 28/11/2019

Em matéria de 16 de novembro, O Estadão afirma que “A informalidade recorde no mercado de trabalho está ajudando a derrubar a produtividade da economia brasileira, que se recupera lentamente da recessão vivida entre 2014 e 2016”. Trata-se de um argumento falacioso, até mesmo pela ausência de um conceito de informalidade para assegurar a veracidade dessa afirmação,ainda que se possa deduzir esse conceito através das formas que são sugeridas, ou seja, seria um trabalho informal aquele das “empregadas domésticas, vendedores a domicílio (sic), entregadores de aplicativos e vendedores ambulantes”. Ora, o conceito de trabalho informal já é em si mesmo bastante limitado, que dizer dessa apresentação através de uma tipologia incompleta?

A informalidade não pode ser caracterizada como um contínuo de ocupações e atividades que se interpenetram no espaço econômico eminentemente formal; por outro lado, ela não pode ser também considerada como um “vazamento” de recursos e de renda que, ao trafegarem em uma via de mão única, deixam o setor formal e alimentam a informalidade. Ao contrário, a informalidade deve ser entendida como um conjunto de atividades e ocupações que têm simultaneamente existência subordinada e relativamente independente do setor formal da economia. A subordinação se faz através de interrelações desiguais e de intensidades múltiplas, as quais se verificam sob o domínio do processo formal; enquanto que a independência relativa permite certo grau de autonomia às relações de trabalho informal.

Nesse sentido, a formalidade exerce uma hegemonia sobre a informalidade. A informalidade é composta de uma intrincada rede de relações econômicas, financeiras e creditícias, as quais acontecem tanto internamente ao próprio segmento informal, bem como entre os segmentos formal e informal. São relações produtivas, de distribuição, comercialização, crédito e consumo que permitem transferências de recursos e renda que passam da formalidade à informalidade e vice-versa. Tais atividades não podem ser vistas como apenas exteriorizando desequilíbrios do mercado de trabalho, que resultam de um excedente de oferta de mão-de-obra, seja em decorrência da expulsão de força de trabalho para o desemprego, seja como resultado de um salário insuficiente que inviabiliza a subsistência, ou mesmopela perda de dinâmica do mercado formal de trabalho, obrigando muitas pessoas a se dirigirem ao mercado informal de trabalho.

Estudos relativos à informalidade podem ser classificados em pelo menos quatro enfoques bastante distintos. O primeiro, proveniente dos trabalhos da Organização Internacional do Trabalho, com base em características técnicas das unidades produtivas, compostas de atividades intensivas em trabalho e usam tecnologia simples, daí a produtividade do trabalho ser muito baixa nesse segmento do mercado de trabalho. Os argumentos da OIT apresentam uma expectativa de que a expansão e o desenvolvimento das relações capitalistas de produção acabariam por reduzir o espaço econômico do segmento informal até sua completa eliminação. Isso se verificaria através da anexação, pelo setor formal, dessa oferta de mão-de-obra trabalhando em condições desfavoráveis. Entretanto, por não se saber qual temporalidade para que isso ocorra, espera-se a informalidade constitua, ainda por muito tempo,um ambiente próprio para inserção de pessoas economicamente mais pobres.

O segundo, diretamente relacionado ao marxismo, considera as atividades informais como sendo formadas por uma necessidade funcional do sistema capitalista, a qual usa do expediente da informalidade para obter uma redução nos custos de produção associados à mão-de-obra e, assim, alcançar uma elevação da exploração do trabalho e com isso também dos lucros. Essa interpretação admite uma relação de dependência entre a informalidade e o sistema formal capitalista, além de considerar que os trabalhadores do segmento informal são, em verdade, super explorados. Fica bastante claro que essa abordagem nega a possibilidade de existir uma informalidade com vida autônoma e independente do sistema formal; negando também a presença de “exploração” no interior do segmento informal. É de se imaginar que se houver uma relação tipo patrão-empregado, ainda que informal, imediatamente estaríamos diante da famosa “exploração” do trabalho, mas essa eventualidade não é mencionada. Fica o débito.

O terceiro, com formulações mais heterodoxas no campo metodológico, estabelece que o setor informal seria constituído de relações de trabalho atípicas, tais como “mercado negro”, “mercado não regulamentado”, “mercado ilícito”, “economia submersa”, “economia subterrânea”, dentre outras formas, para escapar das responsabilidades institucionais. Essas relações informais de trabalho podem perfeitamente ser realizadas por microempresas, as quais subcontratam mão-de-obra à margem dos requisitos legais. Dessa forma, muitas atividades, antes operadas nas grandes empresas, passam a ser exercidas por microempresas encarregadas de etapas da atividade econômica, tais como processamento de insumos, comercialização, distribuição de produtos, manutenção de máquinas e limpeza da fábrica. Para essa vertente, a informalidade não pode ser vista como sinônimo de atraso tecnológico, mesmo que fique realçada a exploração econômica de mão-de-obra desregulamentada. Isso porque as necessidades forçam as pessoas a aceitarem condições mais desfavoráveis de trabalho, mas o que elas realizam não necessariamente podem ser caracterizadas como atrasadas.

Finalmente, o pensamento liberal entende a informalidade como uma manifestação do espírito empreendedor e empresarial, o qual se encontra abafado por excessiva regulamentação da atividade econômica. A informalidade é então vista como composta de atividades não declaradas, nem por isso ilícitas, que expõem o mercado de trabalho ao livre jogo da oferta e da demanda, eliminando ou se desviando de possíveis restrições, sobretudo as legais.

A estrutura ocupacional da informalidade tem se mostrado muito complexa, heterogênea e cheia de possibilidades. É natural, portanto que muitos indivíduos prefiram ficar na informalidade exatamente porque aí encontram suas melhores oportunidades de trabalho e renda; outros tantos, por não disporem dos requisitos próprios do mercado formal, acabam ficando na informalidade por absoluta falta de alternativas; e, outros ainda entram e saem da informalidade conforme as altas e baixas conjunturais do nível da atividade econômica.

Os conceitos de informalidade (no plural) são muito ambíguos que permitem muitas dúvidas. Muitas vezes, eles mais dificultam que auxiliam no esclarecimento de questões socioeconômicas. Aqui, entende-se tão somente que as relações informais de trabalho são apenas aquelas que não contribuem com a previdência. Esta é uma maneira bastante simplificada de entendimento do que seja informalidade, cuja funcionalidade é extraordinária, já que ela permite avaliar o quanto se perde em termos de contribuição à previdência social.

Para concluir, sugere-se que é passível de comprovação estatística o fato de que uma maior quantidade de “bicos temporários”, emprego doméstico, vendas em domicílio, entregadores de aplicativos e vendedores ambulantes, tal como aparece no artigo supracitado, somente é possível porque a economia iniciou um movimento de recuperação, o qual proporciona mais e maiores rendimentos, impulsionando novas demandas para esses serviços informais. Dessa forma, imaginar que a informalidade ajuda a diminuir a produtividade da economia é um argumento analítico equivocado, talvez por desconhecimento da literatura pertinente. Isso porque normalmente se tem, em economias como a brasileira, é que grande parte das relações informais de trabalhoaumenta quando se acelera a dinâmica e o crescimento da economia. Dessa forma, uma mais elevada dotação de relações informais de trabalho não pode ser considerada como uma causalidade da baixa produtividade do trabalho, mas um resultado de uma nova dinâmica produtiva que já pode ser vista nos setores mais importantes da atividade econômica brasileira. Estamos, isso sim, iniciando um processo de recuperação econômica de maneira consistente e firme.

 

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