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LINN DA QUEBRADA: “NÓS TRAVESTIS NÃO PODEMOS NOS DAR AO LUXO DE SENTIR MEDO. SENÃO, NÃO SAIRÍAMOS DE CASA”

Redação - 14/11/2019 14:27 - Atualizado 14/11/2019

Se você já ouviu alguma das letras de Linn da Quebrada e teve a sensação de estar em uma conversa papo reto, saiba que não é apenas impressão. Perfomer, bailarina, cantora e atriz, aos 29 anos, Linna Pereira é uma potência artística sem filtros.

Nascida na periferia de São Paulo, ela é a voz poderosa contra os padrões hétero-cis-normativos, e prestes a completar uma década de carreira, também é sucesso em tudo o que se propõe a fazer. Há pouco mais de um ano viu Bixa Travesty, documentário baseado em sua história, protagonizado e codirigido por ela, conquistar o Teddy no Festival de Berlim, um dos principais prêmios do cinema LGBT. O filme, que segundo Linna resulta de “um processo de entendimento do meu corpo e de pesquisa sobre mim mesma”, deve entrar no circuito nacional neste mês. Antes, se lançou na cena musical como MC Linn da Quebrada, quando publicou seu primeiro single, “Enviadescer”, no YouTube em 2016.

Confira trechos da entrevista para revista Marie Clarie:

“Lembro que, ainda criança, me perguntava se os outros meninos achavam meninos tão bonitos como eu achava. Aí por volta dos 14 anos comecei a trabalhar no salão de cabelereiro do meu cunhado. Lá “me apaixonei pela pessoa errada” (risos). Imagina, ainda como testemunha de Jeová. Tudo era proibido, eu não podia nem me masturbar. Eu chorava e pedia perdão sempre que me masturbava.”

“Minha mãe ficou muito assustada. Ela sabia que o mundo era muito hostil para corpos como o meu. Esse era o maior medo dela: a violência que o mundo pudesse devolver à minha presença e àquilo que eu estava propondo. Mas ela sempre foi muito generosa e disposta a me escutar e tentar me entender. Acho que porque, de certa forma, ela também foi uma mulher desobediente. Então ela se preocupou comigo quando sabia que, talvez, ninguém mais se preocupasse. E fomos construindo juntas um caminho de entendimento.”

“O direito à educação, algo que é tão básico. Quando penso na sequência de violências que um corpo travesti pode enfrentar… Eu não estava passando pela minha transição na escola e já foi uma fase de extrema pressão. Agora pensa em uma trans, negra e pobre passar por isso, pela violência cotidiana que vai desde não poder usar o banheiro com dignidade até ser chamada pelo nome com que quer se apresentar às pessoas. Natasha luta pelo direito à humanização. Ela está lutando com unhas e dentes por muito mais que um diploma. Ao mesmo tempo, sabemos que isso não garante nada. Afinal, quantas pessoas trans ou travestis conseguiram concluir uma faculdade no Brasil? E se concluir, terão trabalho? É muito novo. Nós estamos agora conseguindo invadir esse espaço da educação. Gosto de repetir uma frase que ouvi e levo para vida: “Não tenho mais paciência para discutir com quem acha que o mundo ainda não acabou”. Acabou. É o fim dos velhos tempos, de tudo que a masculinidade e a cisheteronormatividade estavam tentando proteger. E hoje nós estamos na televisão, nas novelas e nas páginas de revista! O mundo está desabando. Se a gente olhar materialmente para o mundo, ele está ruindo e mostrando a falência do sistema. É por isso que eles estão com tanto medo. E com tanta raiva! Só que de raiva a gente entende e eu sinto muito mais. Por mim, pelos meus ancestrais, por todas aquelas que vieram antes de mim e que já se foram. E estamos nos movendo coletivamente para mudar essa estrutura que já está acabando, que já está ruindo a partir de pequenas práticas, das práticas de abstração que tentam nos distrair. Porque a representatividade… Vou mandar meu textão! (risos) A representatividade tem limites e é perigosa. Eu sei que estou sendo usada pelo sistema. Para que as pessoas acreditem que se estou aqui e que, por isso, elas também podem. Só que, sinto muito, isso é uma mentira.”

“Vivemos em um mundo com sistemas e estruturas cis-hétero e machistas muito consolidadas. São esses valores que constroem nossa identidade, caráter, o que entendemos como família. E cada uma de nós produz e reproduz esses modelos a todo tempo. Seja na estética, na maneira de se relacionar, no modo de desejar e querer ser desejada. Ao mesmo tempo, é onde aponto a arma para minha cabeça e preciso ter coragem de matar em mim o macho branco, senhor de engenho, capataz, que pensa estar sempre a frente, mas vive para trás.”

*Foto: Reprodução – Coletivo Amapoa

 

 

 

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